sábado, 21 de junho de 2014

Manicômio da vida normal, introdução

Era uma vez um lugar muito normal de se viver, o manicômio da vida normal. Um microcosmo habitado por uma elite homogênea, abastada, com comportamentos e ideais de vida muito próximos. Com uma opção política única, onde um único partido revezava seus comandantes, o manicômio da vida normal evitava contestações da ordem vigente, se concentrando apenas no consumo como objetivo comum. O consumo de bens era uma finalidade em si, já que não visava distinguir um habitante mais abastado do outro: todos tinham mais do que o suficiente. Uma bela mansão no alto de morros à beira-mar, jatinho e iate particulares, o que se convencionou chamar de alto luxo em sociedades anteriores, no manicômio não passava da normalidade, da condição enfadonha de quem já realizou todos os desejos. Ainda que o mistério e horror maior da vida, a morte, ainda perdurasse, era amenizado por uma expectativa de vida de 500 anos, tempo mais do que suficiente para o apaziguamento dos conflitos internos. Todas as crianças eram educadas no mais alto padrão, com todos os recursos tecnológicos disponíveis, além de versadas em pelo menos 5 línguas. Mesmo atingindo o mais alto grau de proficiência, no final todos eram muito bem empregados, muitos nas empresas das próprias famílias. Isso quando não optavam por não fazer nada ou se dedicar às artes e aos esportes. O dia-a-dia era quase todo ocupado com diversão e prazeres, onde alimentos, bebidas, sexo e drogas eram fartos, e consumidos à exaustão. O que antigamente era considerado um sonho de vida, no manicômio da vida normal era o comum, a rotina, a mesmice. Porque os ideais neoliberais já haviam sido atingidos e as desigualdades e males sociais extirpados. Portanto o que restava era curtir o legado dos antepassados que tudo fizeram para que seus descendentes pudessem gozar desse mundo perfeito, asséptico, onde vidas eram antecipadamente planejadas e nada saía fora do script.

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