Minha irmã me perguntou se já era hora de meu único sobrinho, João Pedro, começar a aprender o inglês.
Dizem que até os 6 a criança aprende sem sotaque, e meu sobrinho já conta com 8 anos completos, portanto está até "atrasado" pra começar a encostar a lingua no céu da boca para treinar o "th".
Eu disse que sim, que já podia dar sua largada na formação do pequeno cidadão global, mas que não esquecesse de reservar bastante tempo para a parte mais importante da infância: o brincar.
Nem é preciso dizer o quanto brincar foi importante para mim.
Brincar me aproximou de meus vizinhos, de colegas de escola, dos meus primos, e o mais importante, me aproximou de mim.
Mantenho vivo na memória que meu dia era dividido entre escola pela manhã e o brincar à tarde, entremeado por uma parada providencial para abastecer o tanque, que ia me garantir horas lúdicas ininterruptas até o toque de recolher de mamãe.
As brincadeiras não contavam com tantos recursos tecnológicos como hoje, dependiam muito mais da imaginação.
Por isso o resultado era mais mágico do que qualquer programador de PlayStation poderia alcançar.
Era brincar de feira com mato arrancado do quintal e preso em maços com tirinhas de erva.
Construir pistas na terra para rolar bolas de lama rampa abaixo, testando sua resistência.
Jogar queimada, mãe da rua, passa anel, morto-vivo, esconde-esconde.
Colecionar chaveiros, figurinhas, flâmulas.
Estourar bombinhas de São João, às vezes com mais medo do que a própria pessoa que tomava o susto.
Explorar terrenos e depósitos nas redondezas como se fossem territórios proibidos, assim como pescar guarus num corrego de esgoto próximo, com que mães de hoje ficariam horrorizadas.
Xeretar os arredores do circo que se instalava às vezes no campo de futebol de terra batida ao lado de casa.
E infinitas outras brincadeiras, incluindo umas 4 ou 5 horas diárias de uma boa pelada dividida com os craques mirins de toda a redondeza.
Tenho certeza de que se sou um curioso até hoje, é graças à oportunidade de navegar pela minha infância como o capitão Nemo das minhas próprias pernas.
E sou muito grato por isso.
A infância é um tesouro que esquecemos em algum escaninho perdido, mas a que sempre podemos recorrer para enriquecer um dia ruim.
A vida pode ser dura, difícil, por vezes cruel, mas quem teve infância consegue entender que ela não passe de uma ilusão.
E com algum esforço, transmutar essa ilusão em algo bom, lúdico, prazentoso.
Quando tudo parecer sem sentido, não se esqueça que o antídoto, a infância, está logo ali numa prateleira esquecida do coração.
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