domingo, 9 de novembro de 2014

Poetas são maus agricultores

Eu tive um avô que era poeta e também agricultor.
O primeiro por ofício, porque ele se alimentava dos sonhos, e o segundo por necessidade, porque palavras enchem a boca, mas não a barriga.
E quando se divide a vida assim, entre sonho e realidade, as duas partes saem um pouco prejudicadas.
Todos nascemos com talento para algo, às vezes mais de um, que desenvolvemos durante a vida ou permanecem ocultos sem verem a luz do dia.
Nem sempre são aptidões que ocupam esferas diametralmente opostas como, por exemplo, talento para jogar basquete e escrever poesias.
Pois seria assim, como diria Deus, dar asas à cobra.
Mas exceções, como uma miss graduada em Harvard, existem por aí.
Eu nunca soube do meu avô ter talento para a agricultura.
Talvez tenham colocado ele no mesmo balaio de todo imigrante que, sem poder cultivar seu verdadeiro talento, acabou cultivando a terra mesmo.
Mas soube que meu avô costumava parar a enxada para irrigar sua mente e fazer brotar versos em caderninhos que ele carregava no bolso, à espera dessas semeaduras de palavras.
Os campos de cultivo por aqui eram terreno fértil para ele que era um expert em haicais japoneses, que tradicionalmente se inspira e têm como tema a natureza.
Às vezes fico imaginando como eram esses momentos de inspiração in loco, quando o vento batendo nos cafezais ou sol se pondo no horizonte eram transpostos para o papel em canetadas de caracteres japoneses mágicos.
Provavelmente eram dias em que a produtividade do dia não importava tanto quanto a colheita de um lapso de vida que iria se eternizar em seu manuscrito e decerto, em sua memória.

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