O que motiva as pessoas a assistir e gostar de melodramas é o fato desse gênero preencher o seu vazio existencial com requintes de horário nobre.
Olavo se encaixava a esse perfil, sua rotina casa-trabalho-padaria-casa reservava o período entre 9 e 10 da noite para exibições maçantes de seu folhetim preferido, a que ele acompanhava com seu cérebro no "automático".
Não era casado, não tinha filhos, nem constava em seu currículo uma paixão tórrida que pudesse um dia relatar em algum romance açucarado de banca de jornal.
Era, por assim dizer, um cidadão-mediano-espectador-do-SBT, sem grandes vitórias ou derrotas, nem grandes aspirações futuras além do bilhar com os amigos na noite de sexta-feira.
Para pessoas com essa folha corrida, é de se presumir que o inesperado possa causar danos psíquicos ou no mínimo reações instintivas de desenlace imprevisível.
Era o que se imaginaria de Olavo quando este encostou o carro na mesma cabine do Banco 24 Horas, nas 19h05 da sexta-feira, antes do excitante embate que travaria com Pingo, Duarte e Queixada sobre o feltro verde da mesa de bilhar.
A abordagem ensaiada de duas assaltantes na casa dos 20 anos - bem apessoadas, na visão de esguelha de Olavo - que o obrigou a servir de motorista de seu próprio carro durante as horas que durou o sequestro, poderia ter sido o ponto de inflexão negativo de sua vida.
Ao contrário, foi o momento mais agradavelmente memorável de sua árida existência.
Como coadjuvante de clichê masculino, em êxtase Olavo se deixou dominar pelas vontades de suas "donas".
Cada novo saque era um considerável desfalque em suas minguadas economias, mas o que deveria deprimir em Olavo tinha efeito excitante.
E nem ele sabia de onde vinha essa situação.
Decerto do misto de sentimentos que uma arma apontada para si e a intimidade inédita com duas gatas poderiam provocar num tipo como ele.
Lá pelas tantas, já saciadas e com seus bolsos cheios, as assaltantes deram abertura ao tímido Olavo:
- Ô, rapaz, o gato comeu sua língua?
- ...
- Pode falar, ninguém aqui vai te machucar.
- É, fez tudo direitinho. Qual o seu nome?
- O-Olavo.
- Olavo? Nome mais coxinha.
- Haha, verdade.
- Ei, rapaz, ia fazer o que hoje à noite?
- Sinuca.
- Que? Sinuca numa sexta à noite?
- Maluco...
- A gente tem uma proposta melhor pra você.
- Hã?
- Isso mesmo. Um programa muito melhor que esse seu aí da sinuca.
- Quer ir pra uma festinha da pesada?
- Festa? M-mas...
- Lá no Morro da Cocada. É do Brito, o dono da boca.
- Fica tranquilo, a gente faz a sua segurança. Simbora?
- Vamos lá.
A resposta veemente da até então hesitante vítima surpreendeu as duas garotas, que deram de ombros e começaram a indicar o caminho para Olavo.
Entrar no barraco da festa foi para Olavo como transpor um portal psicológico. Um ritual de transição para uma vida até então na desfrutada e que começava mostrar suas garras.
Claro que Olavo sentiu medo com os olhares de todos aqueles bandidos, de quem se poderia esperar qualquer reação.
Mas com o aval de Brito, que simpatizou imediatamente com Olavo, aquele clima pesado se desanuviou completamente.
Olavo estava em extase, aceitou todas as drogas que lhe ofereceram e inebriado por elas embarcou num delírio que poderia classificar de onírico, se algum tivesse sonhado com tamanha intensidade.
Como um lapso de memória antecipado, Olavo se viu nu na cama com suas duas ex-algozes, protagonizante cenas entrecortadas de um videoclip erótico psicodélico.
A avalanche de sensações até então virgens foi tamanha, que ao despertar em sua cama, ainda que com as mesmas roupas do dia anterior e o perfume adocicado das garotas, Olavo não conseguiu distinguir fantasia de realidade, atribuindo à primeira o que tinha vivido ou imaginado.
Consultou seu saldo bancário e, verificando que estava de fato alguns milhares de reais mais pobre, ainda assim não conseguiu concluir a veracidade do que tinha vivido.
O certo é que Olavo não era sombra do dia anterior, e teve certeza disso quando entrou na sala do chefe e sem nem dizer bom dia, pediu suas contas.
Nem pegou suas coisas.
Sabia que 23 anos de vida de contador seriam uma pífia experiência diante do mínimo que o destino lhe prometia daqui para a frente.
O que lhe garantia isso era o dia anterior, seja vivido ou imaginado.
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