Eram aproximadamente uma dúzia de senhores em torno de uma mesa redonda, debatendo há dias e não chegando a nenhuma conclusão.
O motivo da discórdia seria banal para quem acompanha a política nacional: a distribuição de cargos.
Só que não se tratava de cargos políticos, nem de qualquer instituição pública ou privada.
Os homens ali ferrenhamente disputavam a mórbida função de testemunhar mortes.
Explico: os presentes não eram propriamente homens de carne e osso, e sim uma espécie de cavaleiros do apocalipse, entidades encarregadas de recolher as almas que acabavam de se despedir da vida mundana.
O que estava em disputa era a atribuição de um tipo de morte para cada entidade, porque também nas exigências curriculares dos céus a especialização era pré-requisito.
Assim, havia entidades para mortes de causas naturais, doenças, acidentes, assassinatos, etc.
E para cada especialidade, haviam subdivisões que geravam toda uma hierarquia de cargos dentro de cada modalidade de morte.
Mas nesse caso a dsputa de atinha ao mais alto cargo, o de CEO.
Os postulantes apresentavam suas credenciais para cada cargo específico e o eterno porteiro e zelador dos céus, São Pedro, mediava as discussões e dava a palavra final.
O debate acontecia mais ou menos assim:
- Sou o mais corajoso e frio, por isso mereço ser a Entidade dos Assassinatos.
- Para presenciar um assassinato também é preciso um grau de morbidez, e isso eu tenho de sobra.
- Bom, eu não entrarei nessa disputa, já que tenho todos os predicados para ser a Entidade dos Acidentes.
- E quais seriam?
- Estar sempre de prontidão, já que acidentes não tem hora nem lugar pra acontecer. E não podem esperar, pois podem obstruir o trânsito, por exemplo.
- A mim, que tenho natureza sossegada e paciente, cabe melhor a vaga das mortes naturais.
- É, algumas podem demorar décadas para acontecer. Que tédio...
- Eu prefiro o das doenças.
- Eu também: se mimam as forças aos pouquinhos ou de forma fulminante, ao menos é carta marcada para morrer. Não farei plantão à toa.
São Pedro intervém na discussão:
- Gente, tem pelos 3 candidatos para cada cargo. E pelo jeito não haverá consenso, pois apesar de estarmos no céu, não vejo como a resignação pode vencer o ego nessa disputa. Sendo assim, vou me advogar o direito de nomear os cargos.
Sob uma enxurrada de protestos, São Pedro procedeu à nomeação das entidades.
Nem sempre o bom senso prevaleceu na escolha, criando conflito entre cargos e aptidões.
Os mais afeitos a mortes trágicos tiveram que se conformar com recolher vítimas das mortes naturais. E vice-versa.
O resultado é que os espíritos inquietos acabavam perdendo a paciência.
E os mais calmos, eram pegos de surpresa por maus súbitos ou acidentes inesperados.
No final as almas ficaram mais expostas a tentações de quem nunca se ausentava no juízo final: ele mesmo, o coisa ruim.
Os agentes do mal, com sua competência de sedução ímpar, convenciam cada vez mais almas a povoar as delícias do subsolo, gerando uma grande crise de gestão entre os admnistradores lá de cima.
Definitivamente aquela gente do bem não tinha se preparado para o livre comércio de almas, com ênfase no melhor atendimento ao cliente.
Em pouco tempo todas as entidades foram demitidas.
E São Pedro deu lugar a um marqueteiro formado na Harvard, cuja missão agora é remodelar e tornar novamente atrativo o combalido reino dos céus.
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