"Ah, mas esse menino é a sua cara escrita".
Ele preferia ouvir "sua cara desenhada", já que era Diretor de Arte.
De qualquer forma, perceber que a cada dia seu rebento confirmava em aparência e trejeitos a quem tinha "puxado", enchia Antonio de orgulho.
O pequeno Lionel seria criado na rígida cartilha da família, onde os varões cedo aprendiam a fazer tudo com as próprias mãos.
Não "tarefas de mulher" como cozinhar, cerzir ou decorar, mas coisas de macho como talhar madeira, puxar fiação, até rebocar parede se fosse preciso.
Foi assim desde seu tatara-tataravô e não seria Antonio que amoleceria.
Por isso, foi com um misto de decepção e temor que Antonio soube por sua esposa da primeira fraqueza demonstrada por Lionelzinho: o medo de plantas.
Peralá, eu ouvi direito?
Sim, medo de plantas.
Não de cachorro, rato ou qualquer outro animal doméstico que pudesse, com alguma mordida ou arranhão, constituir uma real ameaça a um bebê.
Era o medo inexplicável de plantas que assombrava aquela pequena alma.
Mais especificamente de um buchinho, espécie das mais "fofinhas" dentro do reino vegetal, inofensiva se comparada a um feroz comigo-ninguém-pode, aterrorizantes plantas carnívoras ou mesmo a uma rosa, com seu caule espinhoso.
Com Lionelzinho no colo, Antonio procedeu a uma série de testes "in loco" para saber se aquilo não era delírio da patroa.
E não teve que chegar muito perto do vaso do buchinho para se confirmar o que temia: o bebê virou seu rosto e se encolheu todo junto ao peito de Antonio, abrindo um comovente berreiro de pânico.
No que o pai quase o acompanhou, pois era grande sua tristeza ao ver solapado o orgulho de uma linhagem inteira de homens, acostumados a enfrentar incólumes toda sorte de revezes e ameaças.
Mas momentos de dor também podem ser de clarividência.
Num átimo, Antonio recolheu a lágrima que ameaçava cair, se aprumou e entendeu seu papel de pai.
Ele não colocaria uma pedra sobre aquele assunto.
Não deixaria o medo do seu filho virar fofoca de familia ou motivo de chacota.
Também não confiaria a um psicólogo a solução - psicologia, meu filho, é para os fracos.
Antonio resolveria a seu modo, que foi o modo do seu pai e do seu avô: com as próprias mãos.
Aproximou-se do vaso do buchinho e, segurando a mão do menino, a fez resvalar na planta seguidamente, demonstrando o quão suave era o contato com a natureza.
A cara de choro que já se afigurava imediatamente se desvaneceu, dando lugar a um sorriso epifânico de que só uma criança em sua inocência é capaz.
Lionel afastou os galhos do buchinho como se descortinasse um pequeno portal dentro do seu mundo de faz de conta.
Onde os demônios se revertem em anjos caídos para preparar o final feliz.
Mas o desfecho não encantou mais ao menino do que ao seu pai.
Antonio percebeu que no final não foi a tradição familiar de "educar à mão" quem triunfara.
Foi a própria natureza quem quebrou o galho do pai.
E de quebra, também esfacelou toda a sua rigidez.
Simples assim.
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