Existia um menino pequenininho que morria de medo do papel em branco.
Era um pavor mesmo, porque mesmo adorando o desenho, e admirando os colegas que desenhavam bem, ele jamais se atreveu a se aproximar de uma mísera folha de papel vazia, aí incluídas as branquinhas e todos os seus matizes.
E o guri era mesmo um amante das artes, porque seja no aniversário ou natal, o presente que sempre pedia era uma caixa de qualquer coisa para colorir: lápis, giz de cera, canetinha.
Sua coleção desses artefatos era enorme e ocupava grande parte do armário e prateleiras de seu quarto, mas continuavam intactos, com suas pontas apontadíssimas, pela dificuldade do garotinho de empunhar qualquer "rabiscante" diante de uma folha vazia.
A superfície vazia, no caso, não incluíam paredes, porque desde cedo o garotinho tinha uma consciência cidadã suficiente para impedir que sucumbisse ao seu desejo e acabasse por emporcalhar os muros do bairro.
Mas o tempo passava, o garoto crescia, e não passava sua obsessão pelo papel em branco.
Até desviou seu foco para outros interesses à medida que ia crescendo, mas a sina também o perseguia em seus novos passos.
Sua primeira namorada, por exemplo, era filha de um dono de papelaria.
Seu professor de música não lecionava com folhas pautadas, somente com folhas em branco.
E assim por diante, fazendo com que o menino, agora um rapazote, enfim decidisse enfrentar seu medo.
Afinal, a puberdade era o momento ideal para se por à prova e amadurecer, segundo o que havia lido em tantos tratados sobre o assunto.
Resolveu que escreveria cartas de amor à moda antiga, de próprio punho, e remeteria à namorada.
Iniciou os preparativos para o momento de encarar seu trauma, primeiro escolhendo o artefato com que deitaria suas primeiras linhas nas páginas em branco.
Aponto vários tipos de lápis, testou diversas canetas, e enfim se decidiu por uma caneta tinteiro, já que a ocasião, solene para si mesmo, exigia um certo esmero na escrita.
Mas só de pousar a primeira folha de sulfite sobre a escrivaninha, sentiu as gotas de suor brotar da testa e escorrerem pelas têmporas, até pingarem sobre a folha.
Teve que substituí-la uma, duas, quantas vezes foram necessárias até estancar o suor.
Na sequencia, o simples empunhar da caneta tinteiro provocou uma tremedeira da mão que o bloqueou completamente, já que não desejava a hesitação como sinal inequívoco do primeiro traço de sua vida.
Mas o que mais temia aconteceu.
O pavor diante do papel voltou multiplicado, na forma de uma alucinação como se o branco leitoso em forma gasosa o envolvesse e o envenenasse, deixando o rapaz em estado letárgico.
Ele foi literalmente engolido pelo papel, que se dobrou na forma de um origami representando um unicórnio, e saiu voando pela janela aberta, como a metamorfose de alguém que nunca foi desse mundo.
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