sexta-feira, 29 de abril de 2016

O seu lugar é perto de si

Todo homem tem o seu limite.
É um clichê que você já deve ter ouvido por aí.
Acredito que esse limite é menor na medida em que a gente se distancia da gente mesmo.
Se você está centrado, vivendo com sinceridade sua vida, esse limite se estende.
Sua resiliência é maior quando se vive com paixão e propósito.
Mas se leva nas coxas, se contenta com um arremedo de vida, distante do que a voz surda da sua alma grita, então o seu limite se impõe.
Você se apequena.
Vive à margem do seu potencial, seja qual for ele.
Às vezes sentimos que a rotina poderia ser melhor.
Muitas vezes a angústia toma conta num dia ensolarado.
As gargalhadas em torno não nos atingem, ainda que a vida esteja ótima, que não tenhamos nada pra reclamar.
Não temos?
Bom, não é pra reclamar, mesmo.
A vida é uma coisa boa e a metade cheia do copo é o que conta.
Estou apenas atentando para aquela parte da vida que precisa ser melhor observada, pra se fazer dela algo especial.
A parte metafísica.
Aquilo que é nosso propósito, que se não explica nossa existência, justifica mais do que salários, bens materiais, elogios e indulgências.
É o propósito de ser nós mesmos em qualquer circunstância, de não abrirmos mão do que nos faz bem.
Um compromisso que precisa ser reafirmado todos os dias, para que o monstro do vazio não nos engula.
Por isso o trabalho - sim, o trabalho - de nos descobrir é incessante, a auto investigação nunca termina.
Porque não tem prioridade maior do que viver em conformidade com nossa essência, do que fazer da vida um reflexo da nossa consciência mais pura.
Não abra mão dos seus valores, crenças, vontades, motivações.
Diga não à ditatura do mercado, das aparências, dos jogos das relações humanas.
Siga o seu próprio juízo, sem medo ou culpa.
O que faz brilhar seus olhos não é o brilhareco fugaz do sucesso.
É a sua chama.






terça-feira, 19 de abril de 2016

Tremor sem temor

Imagens de terremoto não são belas.
Embora eu sempre queira enxergar um viés poético em qualquer aspecto da vida, fica difícil romantizar um fenômeno natural que acaba de vitimar mais de 400 pessoas no Equador, no sábado passado.
E que por reflexo também foi sentido no Japão, bem na região onde o meu irmão vive - graças a Deus ele está bem.
Mas a imagem do terremoto de Messina de 1908 que ilustra este post tem sim a sua beleza trágica.
Lembra a destruição em massa por uma bomba atômica, só que operada pela guerra de Deus com os homens.
Em poucos segundos, tudo o que o homem ergueu por necessidade de abrigo ou de afirmação de seu domínio no planeta, é colocado abaixo inapelavelmente, como uma castelo de cartas.
Mas eu não quero falar de tragédias.
Quero falar de construção.
A construção que sucede os terremotos internos por que passamos periodicamente.
Para alguns eles são imperceptíveis, com poucos graus na sua escala richter pessoal.
Para outros, é avassalador.
Depende da natureza humana.
Alguns passam por uma adolescência que é uma verdadeira tormenta.
Outros, deixam a adolescência passar ao largo deles.
Essas terremotos acontecem mais algumas vezes na vida, como alertas do deslocamento de nossas placas tectônicas.
Surgem no epicentro de nossas almas e sobem às camadas superficiais, com força suficiente ou não para acionar um alerta.
Na adolescência, quando os hormônios estão em livre erupção, os terremotos internos são sentidos, manisfestados e compreendidos.
Há mais espaço e até permissão para que eles aconteçam, arrasem e permitam o erguimento de uma nova pessoa.
Mas em outras fases da vida, ainda que se manifestando com menos vigor, até em função de idades mais avançadas, os terremotos internos são reprimidos, quando não ignorados pelas próprias pessoas que os engendram.
Ainda que com menos intensidade, eles são mais perigosos.
Eles tentam nos tirar de trilhos bem sedimentados, tentam desalinhar os alicerces enraizados de nossas vidas e nos deixar desabrigados de nós mesmos.
Sinal de que a matéria incandescente de nosso inconsciente está pressionando as camadas de cima, tentando derrubar os castelos de equívocos que erguemos.
Mas isso não significa que devemos fazer de seu alerta um motivo para pôr abaixo todas as nossas crenças.
Seria impossível e uma solução improvável.
Alguém disse que depois dos 40 anos somos mais bombeiros do que incendiários.
E é verdade.
O fogo da ingenuidade já foi abafado pela razão.
Já somos gatos escaldados pelo balde de água fria do destino.
Mas o bom observador irá perceber que ainda há focos de incêndio.
E que cabe a cada um alimentar seu fogo interno com a matéria prima que encontrar por aí.
É isso o que eu sinto.
Que eu não quero de deixar de alimentar meu desejo interno indefinidamente.
Se possível, com o combustível mais inflamável que encontrar.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

A ficha que não cai

Só quem é contemporâneo do orelhão - aquele telefone público que sofria tanto vandalismo que acabou desaparecendo da face da Terra - entende a expressão "caiu a ficha".
Pra quem não sabe, esse telefone público antigo pedia que você depositasse uma ficha redonda de metal para completar a ligação.
O inconfundível eco que a queda dela fazia no interior do orelhão era o sinal inconfundível de que a ligação tinha se completado, ainda que pudesse cair no nanosegundo seguinte.
E aí a ficha voltava pra você ou era "engolida", confiscada pelo aparelho, o que nos incitava uma raiva que, tivéssemos o espírito dos vândalos, seria descontada no pobre do orelhão.
Na verdade o que ensejou essa dissertação sobre a ficha é um exemplo de quando ela jamais cai.
É o caso da ficha da passagem do tempo, mais especificamente, da curta duração da vida.
Ainda que eu possa elencar alguns casos onde essa ficha ameaça cair, mas é devolvida ao usuário.
Por exemplo, quando você reencontra alguém do passado depois de uns 15, 20, 30 anos de vida não compartilhada.
Nesses encontros é possível perceber a ação letal do tempo, na terra arrasada de rugas, cabelos brancos e membros flácidos.
Um outro caso onde a ficha cai, ou quase, é quando de repente acordamos pai, mãe ou com qualquer responsabilidade repentina sobre seres indefesos que chegam sem pedir licença na sua vida.
Ou quando perdemos entes queridos, em especial nossos pais, sob cujas asas protetoras imaginávamos poder nos recolher eternamente.
Mas embora a força dessas experiências caiam como fichas de 1 tonelada no fundo de nossas almas, ainda insistimos em ignorar a ação devastadora do tempo sobre nossos corpos, sonhos e esperanças.
Corremos atrás de prazos e datas na mesma medida em que vivemos num tempo suspenso no espaço, dissociado do processo contínuo da putrefação da nossa matéria.
A culpa talvez seja do nosso instinto de sobrevivência, que nos mantém alheios às urgências da vida, num modo stand-by confortável e covarde.
O fato é que a ficha da passagem do tempo nunca cai.
Ela sempre volta para nossos bolsos, como garantia de que sempre haverá uma próxima ligação ao curso contínuo da vida.
Até que enfim ela cai de fato, mas já não estamos aqui para ouvir o ruído da queda.

sábado, 16 de abril de 2016

Meu eu simultâneo

Você acredita em viagem no tempo?
É o mesmo que acreditar em destino, já que então não podemos mudar o que já está acontecendo lá na frente.
Então eu queria levar um papo sério com meus Eus do passado e do futuro.
Pode ser agora ou vocês estão muito ocupados com o que já era e o que vai ser?
Pois então, Eu Passado, vê se agiliza e faz as coisas que têm que fazer.
Aprende a dar cambalhota e a empinar a bike.
Entra numa equipe de natação e faça amigos.
Monte a sonhada banda.
Faça uma tatoo na época em que ela faz mais sentido.
Se permita tirar mais notas baixas e por favor, não abra mão de festinhas e de ficar com o máximos de meninas.
Tá bom, chega, senão vou parecer aquele pai chato querendo dar sermão a essa altura inútil.
E você, Eu Futuro, o que você me conta?
Ah, você não pode me adiantar nada, sei, sei..
Vai me dizer que fez o acordo de confidencialidade e me fazer acreditar que existe livre-arbítrio, que a gente constrói o nosso futuro.
Ok, faz sentido, porque dependendo da merda lá na frente, neguinho ia largar mão de fazer muita coisa nesse agora incerto que estamos vivendo agora mesmo.
Mas, pô, quebra essa, me adianta umas coisas, vai.
Não precisa dizer tudo, mas me dê umas coordenadas.
Diz se preciso mesmo correr pra terminar esse trampo.
Diz se adiando aquele projeto pessoal só estou adiando minha fortuna.
Diz se ainda vou conhecer as pessoas importantes da minha vida.
Tá bom, vai, diz só se eu posso me levantar da minha cadeira agora mesmo, pra sair lá fora e andar um pouco olhando pras estrelas.
Porque eu tô achando, viu Passado e Futuro, que eu tô demorando demais pra me reencontrar com vocês dois.
Apareçam logo, por favor.
Essa amizade à distância entre nós 3 me deixa um vazio enorme.


segunda-feira, 11 de abril de 2016

A mão na cabeça

Apregoam os defensores da educação rígida que não se deve passar a mão na cabeça das crianças.
Porque ao contemporizar quando se deveria puxar o cabresto, estamos passando o recado errado.
E não existe nada mais nocivo para o cultivo de cérebros virgens do que a ambivalência.
Mas eu tenho tantas dúvidas quanto à eficácia do cafuné quanto da cinta cantando no lombo, como faziam os pais de antigamente.
Não é à toa que hoje se adota uma estratégia punitiva mais amena, tanto por causa do que já foi descoberto em termos de educação infantil, quanto pela culpa parterna de estar mais ausente do convívio com os filhos.
Mas isso não é um tratado sobre educação infantil e sim apenas uma discussão sobre o "passar a mão na cabeça".
Será que não fazemos isso em nós mesmos em demasia durante toda a nossa vida?
Se perdoar pelos erros é salutar, mas na medida em que passsamos a mão em nossas próprias cabeças, não estaremos deixando um porta aberta para que os erros se repitam?
Ou pior, para que não encontremos uma solução para nossas próprias deficiências?
Num artigo sobre a procastinação, o autor dizia que um dos maiores erros que cometemos é usar a paixão ou o otimismo como combustível para o cumprimento de prazos.
Quando deveríamos usar bases mais realistas, como pensar nas consequências de não se cumprir as tarefas.
Ou na satisfação da realização quando se está progredindo.
Porque a maioria dos artistas e profissionais bem sucedidos não basearam suas estratégia de execução de tarefas em aspectos etéreos como inspiração.
Eles simplesente definiram uma rotina de trabalho sem concessão para si mesmos, sem "passar a mão na própria cabeça".
Talvez seja essa a diferença entre autores e espectadores, os que fazem acontecer e os que deixam a vida passar.
De acordo com o escritor Rodrigo Fresan, os que fazem não tentam entender o mundo antes de começar a fazer.
Eles não desperdiçam a vida passando a mão na própria cabeça.


sexta-feira, 8 de abril de 2016

A lente da arte

Eu adoro ler.
Gosto de cinema, de arte, de música.
Mas para mim, nenhuma dessas "artes" substitui ou supera o cheiro da página impresssa.
É impagável o insight que escritores talentosos provocam ao relatar coisas e fatos banais da nossa vida.
Aliás, para eles não existem banalidades, apenas coisas sobre as coisas um olhar perscrutador não se deteve o suficiente para compreender a vida.
Por falar nisso, hoje em dia padecemos de distração crônica, uma disfunção cujo principal malefício é nos cegar diante do óbvio.
Nossa relação simbiótica com a natureza, por exemplo.
Todo mundo sabe o quanto faz falta o pisar descalço sobre a terra úmida, assim como o vai e vem das ondas do mar.
E no entanto, a maioria de nós está muito "distraída" para considerar a essas necessidades.
Nossos compromissos sociais, as atribuições de família, as metas de sucesso profissional, enfim, o combo da vida moderna joga nossas necessidades mais primitivas para o modo stand by.
Não que isso passe despercebido.
O radar interno acusa a falta dessa energia no nosso espaço aéreo, mas compensamos a lacuna com indulgências de vitrine, sempre ávidas pela próxima promessa do capitalismo prozac.
Mas o corpo, que de bobo não tem nada, sempre manda seus discretos sinais de alerta para que o cérebro faça a devida correção de rota.
Portanto, ajuste sua parabólica e se perceba de vez em quando.
Para estar a bordo de sua vida mais elementar é preciso desligar os aparelhos eletrônico.
Sair do modus operandi de consumista para receber sua vida de bandeja, sem nenhuma conta a pagar.
Não é preciso ver o que está errado com a vida.
Apenas abrir os braços para o que sempre esteve certo.