quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Segura o rojão

Dizem que 2016 será terrivel, economia em frangalhos e com pouca capacidade de reação por causa da inflação, crise política e mercado de commodities desfavorável.
Entendo pouco de política, mas os anos me fizeram entender um pouco essa ânsia premonitória que nos possui nos últimas dias do ano.
Nada como o penúltimo dia para passar a limpo os pecados cometidos e os que deixamos de cometer no ano que está nos finalmentes.
Acho até que essa necessidade de fazer o flash back é maior do que tentar prever qualquer coisa pro ano que vem.
Inclusive porque brasileiro está escaldado de falar em crise, mesmo com a estabilização da moeda, que parecia mais sólida do que infelizmente constantamos agora.
O fantasma da inflacão voltou, o que aterroriza os economistas, mas pra mim parece filme de terror velho assistido em sessão da tarde, regado a pipoca e refrigerante.
Pouco me interessa a mensagem dos cavaleiros do apocalipse da economia, porque sempre contei mais com meu esforço do que com qualquer conjuntura favorável.
Não é desânimo nem falta de esperança.
O planejamento para um ano que se inicia é válido, disciplina é algo que funciona.
Mas prefiro pensar no tempo, embora um ano corresponda a uma volta do planeta, como uma convenção, um jeito de pensar e organizar nossos atos, prazos, metas.
Então se o tempo é uma reta contínua, prefiro pensar que ando sobre essa linha contínua indefinidamente até o último dos meus dias, sem um tic-tac irritante fazendo eco nos meus dias de vazio.
Que venham a crise, a inflação, as expectativas, as incertezas, os medos.
Tudo isso não é exclusividade de ano novo, é coisa do dia a dia.
No fim tudo não passa da aventura de consciências querendo achar seu lugar de conforto no mundo.
Mas no fundo sabendo que esse lugar é impossível de ser encontrado.




quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A maioria apenas existe

Li pouco de Oscar Wilde.
Dorian Gray, presente em 10 de 10 anais da literatura clássica, foi obrigatório.
Fora este, li apenas aforismos e no momento leio "Contos de Fadas".
Não li nenhuma de suas peças.
Há quem pense que ele não é um primor de técnica de escrita, mas Wilde está longe de passar despercebido na história da literatura.
À qualidade de "Retrato de Dorian Gray" e outros escritos, some-se sua figura controversa de intelectual excêntrico e ácido, que foi preso por ser homosexual, à época considerado um crime, e você terá uma personalidade que marcou época.
Para mim, Oscar tem lugar de destaque na estante por seus aforismos de uma acidez incomum, que pode não refletir minha opinião e talvez nem a do autor, mas destila um veneno classudo de dar inveja.
Como o que intitula esse post, "Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe".
Acertou na mosca o Oscar.
Naquela época, de muita dificuldade para sobreviver, a frase fazia ainda mais sentido.
Mas não podemos afirmar que faça menos sentido hoje.
Pois passadas décadas, a maioria da humanidade continua lutando bravamente por condições básicas de sobrevivência.
E a tendência é a coisa piorar com o esgotamento dos recursos naturais.
Claro que o apenas existir não está restrito apenas a quem tem poucas condições financeiras.
Hoje vemos uma sociedade intrincada em outras modalidades de sobrevivência, que vão além de comer e respirar.
Sobreviver na sociedade moderna, mesmo à época de Oscar Wilde, também significa se adaptar às exigências de status e convivência com seu meio, que implica uma série de sacrifícios.
Entre eles, a abnegação de si mesmo, de seus ideais e sonhos, em função da manutenção do status, da adaptação a rótulos de um mundo frio e preconceituoso.
Estar preso às obrigações de sucesso e modismos nos restringe como seres humanos, ao impedir que experimentemos alternativas aos ditames do capitalismo, que se retroalimenta do nosso medo de exclusão.
Daí que Oscar, que embora fosse um prestigiado e reconhecido artista não escapou do preconceito dos seus pares, concluísse que viver era para poucos.
Os poucos que teimam em se afirmar como indivíduos num mundo que abate sonhos pelos calcanhares.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Até o fechar dos olhos

Sem a luz eu não seria nada.
Eu dependo do clarão que invade as frestas da janela pra acordar da minha ilusão.
Todo dia sou puxado da minha cama a uma velocidade de 300.000 km/s.
Não para colocar os pés no chão, mas para saltar no vácuo dos meus desejos.
A luz me liberta dos meus fantasmas, essas âncoras imaginárias que me prendem na minha impotência.
Se existe uma caminhada pra alguma missão misteriosa, é a luz que desenha as sombras dos meus passos e me faz acreditar que existe um caminho.
Dizem que são as crianças que têm medo do escuro.
Mas elas temem o escuro concreto.
O escuro imaginário vai nos amendontrar até o fim dos nossos dias.
E que seja assim, pois é nessa alternância de luz-escuridão que a vida se move e o ser humano encontra motivação para fazer da vida uma tentativa de superação sem fim.
E até o fechar dos olhos, eu espero que uma nesga de luz sempre venha ao meu socorro, para clarear minha mente e acender meu coração como meu remédio diário.
Como Dylan Thomas esbraveja, lute, lute, lute contra a morte da luz.

domingo, 13 de dezembro de 2015

A pena de quem escreve

Esses dias estava discutindo a diferença entre a vaidade de médicos, publicitários, advogados e artistas.
Estávamos conjecturando sobre se os artistas seriam os mais vaidosos.
Chegamos à conclusão de que, de uma certa forma, sim.
Porque profissionais liberais têm sua fama reconhecida dentro de seus grupos.
Fora de seus grupos, apenas quando financeiramente bem sucedidos, daí não estamos mais falando de pura competência profissional.
Mas no caso dos artistas, raramente eles são financeiramente recompensados.
No entanto, sua competência artística não reconhece fronteiras, eles desfilam seu talento e são reverenciados onde estiverem.
Afinal, a música, a escrita, a pintura, etc são universais, não?
Então uma certa empáfia dos artistas, de se considerarem especiais de alguma forma, é até perdoável.
Em muitos casos eles abraçaram uma paixão em tenra idade e desafiaram o modus operandi da sociedade ao optar por viver em sua maioria de bicos para se dedicar à sua arte.
Há que se louvar esse gesto, mas será mesmo que foi uma decisão dura e difícil?
Ao que parece e Rilke não me há de negar, os artistas o são porque simplesmente receberam um chamado especial e resolveram dar ouvidos.
Alguma chama interior latente só estava à espera de uma fagulha do destino, e traçar sua vida a partir desse encontro, apesar de muito doloroso, foi uma trajetória natural.
Não há escritor ou músico que não reclame pela sociedade ser tão insensível aos seus encantos, em detrimento de lixo cultural que "bomba" nas rádios e nas muitas telas da era da hiperconectividade.
Mas também não se vê lamentos de "deveria ter ouvido meu pai" ou coisa parecida.
A opção pela vida de artista is not an option.
É só o fluxo natural da vida.
Nenhum artista chegou aos seus 17 imberbes anos numa prova de vestibular sem uma opcão de carreira bem definida.
A dúvida é apenas pelo meio de subsistência, porque a carreira o talento já definiu para ele.
Por isso não tenho nenhuma pena dos artistas.
E tenho uma certa antipatia pela sua empáfia.
Será inveja?

Via Láctea, câmbio

Alguns podem se orgulhar de serem pessoas encaixadas, as que atendem às expectativas da sociedade, dos modelos de beleza, de sucesso, de modismos, indivíduos icônicos do ajuste social.
A não ser dormir tranquilamente na sua ilusão de bem-aventurança, não vejo nenhum mérito nisso.
Encontrar eco para sua voz é importante, faz bem para o ego, mas não é necessário.
O homem é um sobrevivente, e sua subsistência passa ao largo das armadilhas do ego, ainda que seja o tempo todo seduzido por elas.
A gente não vive da embalagem, mas do conteúdo.
Mesma nossa carcaça psicológica depende apenas da alimentação básica, prescinde da gordura trans social que nos empanturra.
Mas é mais fácil se deixar levar pela onda do que remar contra.
Por isso não contestamos os modelos impostos.
Os produtos de consumo impostos.
As novas regras sociais impostas.
Deveríamos olhar para nós mesmos e, com olhar sábio, perceber se estamos conduzindo nossas vidas para a bem-aventurança.
Aventura, disso é feita a vida.
As raízes são importantes, assim como os projetos que se desenvolvem tijolo a tijolo.
Mas faço aqui uma ode ao inexato, ao inesperado, ao inconclusivo.
Valorizo a importância de incerteza para que os caminhos sejam errados e os dias terminem mágicos.
Não ter certeza é um direito daqueles que preferem olhar o horizonte sem a convicção do planeta redondo, mas com a probabilidade de se atirar no precipício.
Conclamo mais friozinhos na barriga, mais nervosos de ante-sala de espera, mais pavor de primeira ou de última vez.
Pior não é o cordão umbilical que nos une aos nossos pais.
São as correntes das certezas que arrastamos ao longo da vida e que vão ficando pesadas com o acúmulo de limo dos caminhos.

sábado, 12 de dezembro de 2015

O assombro

Quando tudo está quieto e normal, é sinal de que ele está fazendo falta.
Quando você está fazendo sucesso e sua vida parece não ter onde tirar nem pôr, ele é que resolveu se omitir aguardando o momento em que os mais corajosos o invocarão para chacoalhar o status quo modorrento.
Quando caímos na letargia de sabermos de cor os próximos passos, de fazer da nossa vida uma cartilha decorada de trás pra frente, então é chegada a hora de invocá-lo.
Ele, o assombro.
O assombro que nos faz ver além da matéria, do concreto, do premeditado.
Que nos faz nos guiar por algo que não se define, que não é instinto nem energia, mas que é o único fluxo possível do ser que se deixa levar.
O assombro das palavras sem sequência lógica, que jorram dos dedos e que só tem a direção determinada pela lógica da organização da pauta.
O assombro dos sentimentos que enchem o coração de uma esperança besta por nada, porque não se tem objetivo ou meta, apenas o de deixar sentí-lo.
O assombro da flores que resolvem desabrochar sem preâmbulo, apenas para saudar os raios solares de manhã.
O assombro do encontro sorrateiro com quem não se esperava, nem que seja apenas pela troca furtiva de olhares não premeditados, e que deixam a promessa do que aquele encontro poderia ser.
O assombro do futuro, esse misterioso que não deixa nenhuma pista, exceto por aquelas que criamos dentro de nós mesmos, como uma premeditação do nosso destino.
O assombro que enlouquece por não se explicar e por determinar as coisas sem sentido, conduzindo vidas a um desatino cruel.
O assombro da vida, de estarmos juntos e ao mesmo tempo sós, vagando numa vida láctea imensamente assustadora e silenciosa, clamando por explicações que nossas mentes racionais se viciaram em pedir.
O assombro de perceber que o assombro não é explicável por nenhum sentimento, quanto mais por essas parcas palavras de resignação.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O mundo é das bonitinhas

As bonitinhas não chamam atenção.
As lindas, estão sempre sob os holofotes.
As bonitinhas saem da balada acompanhadas.
As lindas, depois de esnobar meio mundo vão embora sozinhas.
As bonitinhas vão casar e formar família.
As lindas também, mas alguns maridos vão descobrir que desposaram um troféu.
As bonitinhas vão conseguir emprego e se provar competentes.
As lindas, mesmo competentes, serão reféns de sua beleza.
As bonitinhas, quando têm filhos lindos, é uma dádiva.
As lindas, quando os filhos não saem à sua imagem, "o que deu errado"?
As bonitinhas, se engordarem, viram roliças simpáticas.
As lindas, "nossa, que tribufu".
As bonitinhas fazem personagens de filme.
As lindas, figuração de comercial.
As bonitinhas estão autorizadas a aparecer desleixadinhas.
As lindas, não se aguarda menos que deslumbrantes.
As bonitinhas até convencem como intelectuais e ativistas.
As lindas são loirinhas burras posando de engajadas.
Enfim, isso não é uma ode às bonitinhas.
Nem um tentativa gratuita de desancar as lindas.
É apenas a constatação de que tudo que é mediano tem um espaço mais confortável no mundo.