Alguns nascem pra jogar bola, outros para assistir.
E os que ficam no meio do caminho são os olheiros.
Os melhores olheiros não são os que descobrem os maiores jogadores.
Porque esses são mais óbvios de se reconhecer.
Olheiro de verdade é o que pinça aquela pedra preciosa em estado bruto, que se confunde com a enxurrada de pedregulhos em meio à aridez dos campos de várzea.
Eduardo era dos bons.
Tinha descoberto pencas de talentos que abasteceram tardes de domingo inteiras de futebol espetáculo.
E claro, encheram os bolsos de dirigentes inescrupulosos.
Mas poucos sabiam de sua extensa folha corrida no ramo.
Não lhe davam crédito, ao contrário, caçoavam de quem atribuía a Eduardo a descoberta das jóias.
Porque Eduardo tinha uma característica que a princípio o desqualificaria para a função: era cego.
Não de nascença.
Foi vítima de uma doença degenerativa já depois que exercia sua profissão e claro, deram sua carreira por encerrada.
Mas aconteceu o contrário, porque após a cegueira é que Eduardo decolou.
Até então seu highlight tinha sido a descoberta de um volante que chegou à seleção sub-20, mas que depois foi esquecido num clube de terceira divisão das arábias - o rapaz encerrou a carreira cedo e foi adotado por um sheik como pajem em seu palácio.
Não se sabe se a falta da visão acabou aguçando os outros sentidos, mas o fato é que Eduardo se tornou um olheiro de faro apuradíssimo.
Pela vibração do ar, pelo arfar do jogador ou até por um sexto sentido inexplicável, Eduardo passou a detectar a aura de craque só do candidato passar à sua frente.
Ao lado de um auxiliar de campo - cuja função seria dar uma "visão de jogo", mas que se mostrou inútil ao longo do tempo - Eduardo raramente errava em sua avaliação, em que era categórico sobre a qualidade do jogador.
Perna de pau, esforçado, bom jogador e por fim, craque, raramente ele errava.
Sua análise acabava suscitando dúvidas na concorrência, porque promessas rejeitadas por ele e adotadas pelos adversários acabavam dando em água, e muitas vezes levando os outros olheiros à bancarrota.
Tudo ocorria às mil maravilhas quando em uma consulta de rotina o médico detectou um milagroso sinal de melhora em sua retina, dando esperança a uma recuperação completa de sua visão.
Se o quadro de recuperação avançasse, bastaria uma cirurgia para restabelecer sua vista por completo.
O médico até estranhou que Eduardo não esboçasse ao menos um lampejo de felicidade pela notícia, mas o fato é que a notícia plantou uma dúvida em sua cabeça.
Poderia ele manter seu instinto descobridor de talentos enxergando perfeitamente?
Alguma coisa em seu íntimo dizia o contrário e, apesar do entusiasmo da família com a possibilidade de voltar a encará-lo nos olhos, Eduardo foi reticente.
Afinal, atletas paraolimpicos de sucesso devolveriam suas medalhas olímpicas por uma perna sadia?
Pediu um tempo para pensar.
Claro que a família achou uma insanidade aquela crença de que ele poderia perder seus poderes de midas e no final, Eduardo fez a operacão a contragosto, muito cabreiro em relação ao seu futuro.
O procedimento foi um sucesso e Eduardo se emocionou de verdade ao contemplar um pôr do sol de cinema em seu primeiro teste pós-operatório.
Mas com o tempo sua profecia também se cumpriu, pois de olheiro certeiro ele passou a cometer erros sobre erros em suas indicações à beira do campo.
Talvez por uma auto-sugestão negativa, ele perdeu seu "mojo" profissional.
Não importa.
Dente por dente, olho por sucesso, seu destino se cumpriu.
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