sábado, 21 de maio de 2016

O esquecedor

Ele sempre tinha a impressão de que estava esquecendo algo.
Quando saía de casa, fechava a porta do carro, saindo do trabalho.
Uma sensação de vazio, de deixar pra trás algo muito importante, que o faria dar meia volta sem titubear.
Às vezes, já dentro do elevador ou chegando ao escritório percebia que era uma coisinha de nada, um guarda-chuva, uma carregador de celular, uma janela aberta, a chave de uma gaveta.
Algo assim que daria uma pequenina dor de cabeça, um percalço que não impediria aquele dia de transcorrer como todos os outros.
Era uma mecanismo de defesa, seu subsconsciente avisando aquele homem já tão prevenido.
Mas ele se perguntava o porquê de viver tão alarmado, com sua cabeça se precavendo em detalhes mínimos e quase insignificantes.
Talvez houvesse algo por trás, pequenas preocupações escondendo uma ameaça maior à quebra de sua paz interior.
Só com o tempo foi percebendo que não era uma alerta para evitar o esquecimento de objetos e de providências para o correto desenrolar do dia.
Era a vontade maquiada do subsconsciente de avisar sobre a transitoriedade do tempo, sobre as coisas que não poderiam deixar de ser feitas.
Porque o foco nos detalhes insignificantes do dia-a-dia o faziam se esquecer de tomar as providências para realizar seus objetivos e sonhos, e isso sim eram um problema que lhe tiravam um sono.
Tudo que havia acalentado por longo tempo ainda estava em compasso de espera, por isso ele vivia angustiado, afundado em um um lodaçal de esperanças infrutíferas.
Resolveu parar por um momento e fazer um balanço.
Fazer um checkup geral da alma e avaliar o que valia ou não a pena.
Assim como se precisa de uma faxina pesada de vez em quando, ele precisava dar um basta na bagunça de seu quarto de despejos interno, se livrar de antigas crenças que o haviam paralisado tanto e por tanto tempo.
Não queria mais se sentir impotente diante do precipício que o separava de seus desejos, do qual, por manter sempre distância segura, não sabia nem a profundidade.
Então passou a se prevenir menos.
A se permitir esquecer mais.
A se perdoar por pequenos esquecimentos, panelas queimadas e luzes acesas por um fim de semana inteiro de ausência.
Porque queria ficar mais próximo de sua falibilidade.
Se expor aos riscos de fratura de suas certezas sólidas.
Estava focado nas tarefas diárias que fariam muita diferença a curto prazo.
Por isso saiu sem levar o guarda chuva.
E finalmente tomou uma tempestade de realidade redentora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário