Uma vez perguntei à Lucia, minha terapeuta na época, se era difícil ser gente.
Por mais ingênua que fosse a pergunta, seriamente ela respondeu sim.
Era final de sessão e havíamos discutido questões existenciais.
A Lucia fazia atendimento psicológico a grupos de comunidades carentes, como prostitutas e mães solteiras - ajudar sempre foi sua maior vocação e acabou culminando com sua decisão de se tornar médica sem fronteiras - o que me despertava a curiosidade sobre como essas pessoas humildes encaravam uma sessão de terapia.
Logicamente pessoas pobres têm necessidades mais prementes do que nós burgueses, preocupados com realização profissional e outras questões não vitais.
Mas a Lucia disse que de alguma forma, aquelas pessoas também se afligiam com questões existenciais.
Óbvio que todo indivíduo com consciência de sua própria mortalidade - aí incluo animais, que a ciência provou também serem dotados de consciência - deve se incomodar com o tic-tac do relógio.
Não porque sabe que irá morrer, mas porque não entende o sentido da vida, ainda mais quando falamos de gente que luta o tempo todo pra sobreviver.
É a essa fragilidade, que se esconde por trás das máscaras e papéis que desempenhamos no dia a dia, que me refiro.
Fragilidade que se escancara a cada queda de avião, mas que nos pega ainda mais de surpresa quando da notícia de algum conhecido "feliz" que se matou.
Uma das primeiras questões morais que aprendemos é o valor inexorável da vida - talvez isso explique porque "inocentemente" nos dedicamos à prática do assassinato de insetos e pequenos animais na tenra infância, ou seja, ainda não nos foram incutidos os códigos morais que mais tarde censurarão tais práticas.
Ao mesmo tempo o bombardeio da mídia nos torna anestesiados com atrocidades cotidianas, em parte porque, ao espetacularizar chacinas e matanças, as notícias se distanciam da nossa realidade, passando para o plano da ficção.
Mas apesar de todos os artifícios que procuram nos afastar da consciência da morte, uma luz de alerta insiste em piscar incessantemente lá fundo do nosso ser, alertando que no fim das contas nosso coração é uma bomba relógio armada no dia de nosso nascimento.
Talvez como mecanismo de defesa, esse alerta interno é sumariamente ignorado, como se o esvair do tempo não fosse algo importante.
Mas talvez esse seja o ponto: o que é importante?
Se alguém gasta seu tempo jogando videogame e outro pintando quadros, existe diferença de propósito do ponto de vista existencial?
Claro que não, já que a qualidade do tempo gasto é um critério inventado por nós.
Cabe a cada um mensurar esse "desperdício" segundo seus próprio critérios.
Só que ocupar o tempo não irá aplacar a angústia da percepcão de sua passagem.
O homem já inventou as maneiras mais variadas de fazer isso e não resolveu o problema.
A melhor maneira de lidar com essa questão, ainda que isso seja quase utópico, seria viver cada dia como se fosse o último.
Mas,de novo, trata-se de um teatro que não convence a nós mesmos, visto que nosso dia a dia está calcado em prazos, datas futuras, planejamentos, que sempre consideram o futuro próximo ou a longo prazo.
Só nos resta fazer as revisões periódicas de nossa vidas, considerando sempre que a cada dia ficamos com menos prazo para ser gente de verdade.
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