Durante anos ouvi frases do tipo,
"O sonho é a parte mais importante da realidade", de um publicitário;
"As pessoas querem ilusão", de um amigo;
"A imaginação é mais importante que o conhecimento", de um famoso físico que colocava a língua pra fora.
Mas como sou de formação matemática, demorei a enxergar que muitas respostas, inclusive para a vida, estão no 2+2=5 da ficção.
Você pode não perceber, mas vive de ficção.
Somos personagens de uma grande matrix que se chama vida, e cada um faz seu filme como quer, com cenários, personagens e trilha sonora próprios.
O chato é que minha mente compartimentada demorou a entender que na prática ficção e realidade não fazem diferença.
E eu demorei a colocar em prática o plano de viver de ficção.
Ou melhor, viver minha própria ficção inventada.
Porque se você deixar, pode viver a ficção dos outros.
Os outros querem que você seja ator coadjuvante das histórias deles.
Querem que você seja a escada para eles alcançarem seu Oscar pessoal.
Então ou você decide que vai viver o papel escrito pelo seu destino, ou acaba sendo figurante, mero cenário dos outros.
É fácil perceber isso, é só se observar.
Aquele que se acomodou nas ondas do destino, leva no rosto a expressão da pasmaceira ou do entusiamo coletivo induzido, típico da coerção da sociedade.
Já quem decidiu comprar a briga da independência traz a lucidez em sua aura.
A determinação de quem conquistou sua auto-consciência.
O discernimento entre o que soma e subtrai.
E principalmente, olhos por onde se entrevê uma chama interna incessante.
Desde que eu decidi viver minha verdadeira história, tudo melhorou.
sábado, 13 de dezembro de 2014
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
Confesso que não vivi
Fui uma dessas pessoas que acreditavam que o sucesso iria justificar todo e qualquer esforço.
Por isso me deixei "institucionalizar".
Acreditei nas palavras dos mestres sem questionar sua humanidade.
Abracei causas que se disfarçavam de vitais.
Me deixei levar pela crença de um grupo que se auto-congratulava com mimos no ego.
Me encerrei na matrix, como diria um amigo.
Uma matrix da qual meu coração tentou vários telefonemas para escapar.
Mas do outro lado só havia uma criança surda e tola.
Essa criança se lambuzou com promessas que inventou pra si mesma.
Que um dia ia ser famoso, querido, admirado, nem que fosse pelos motivos errados.
E que importavam os motivos, na época?
Tudo que um coelhinho acuado quer é sair de sua toca.
E pra isso, ele inventa várias cenourinhas.
Mas um dia você percebe que os troféus são de latão.
Que o sucesso é uma invenção do homem.
E você quer voltar e puxar a orelha daquele que comprou a idéia.
São poucos os que sobrevivem jovens.
A maioria está muito confusa para se não deixar levar pelos conselhos sensatos.
Seja isso, seja aquilo.
Busque o conforto e a segurança.
É o instinto prevalecendo sobre a vontade da alma.
Só que a alma encarcerada nunca definha.
A subjugação só a fortalece.
E um dia seus tentáculos irão alcançar e abrir a fechadura.
Para libertar aquele que você se esqueceu de ser.
De novo, as tentações farão vigília para recrutá-lo.
Mas será inócuo.
Ser livre era sua única ambição.
Por isso me deixei "institucionalizar".
Acreditei nas palavras dos mestres sem questionar sua humanidade.
Abracei causas que se disfarçavam de vitais.
Me deixei levar pela crença de um grupo que se auto-congratulava com mimos no ego.
Me encerrei na matrix, como diria um amigo.
Uma matrix da qual meu coração tentou vários telefonemas para escapar.
Mas do outro lado só havia uma criança surda e tola.
Essa criança se lambuzou com promessas que inventou pra si mesma.
Que um dia ia ser famoso, querido, admirado, nem que fosse pelos motivos errados.
E que importavam os motivos, na época?
Tudo que um coelhinho acuado quer é sair de sua toca.
E pra isso, ele inventa várias cenourinhas.
Mas um dia você percebe que os troféus são de latão.
Que o sucesso é uma invenção do homem.
E você quer voltar e puxar a orelha daquele que comprou a idéia.
São poucos os que sobrevivem jovens.
A maioria está muito confusa para se não deixar levar pelos conselhos sensatos.
Seja isso, seja aquilo.
Busque o conforto e a segurança.
É o instinto prevalecendo sobre a vontade da alma.
Só que a alma encarcerada nunca definha.
A subjugação só a fortalece.
E um dia seus tentáculos irão alcançar e abrir a fechadura.
Para libertar aquele que você se esqueceu de ser.
De novo, as tentações farão vigília para recrutá-lo.
Mas será inócuo.
Ser livre era sua única ambição.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
A formiga e a cigarra. E vice-versa.
Certo dia a formiga, voltando exausta de um dia frenético na Bolsa de Valores local, passa por uma praça onde escuta os acordes de violão de uma melodia familiar.
As notas penetrando em seu ouvindo eram o cartão de embarque ao seu passado, moldado em vigor físico e esperança num futuro que se descortinaria em uma vida de enfado.
Por isso foi com enlevo nostálgico que a formiga abriu passagem entre a aglomeração que formava a concha acústica em torno da cantiga, sentimento logo desfeito pela visão de uma cigarra desdentada e decadente.
Um misto de decepção e alívio se apoderou da formiga até o final da apresentação, quando enfim a cigarra foi ter com ela.
Seus olharem já haviam se cruzado durante a última música, o que também motivou a cigarra a encerrá-la abruptamente, quando mais gente se juntava para apreciar.
Com expressões tímidas nos rostos, as duas se aproximaram e trocaram um aperto de mão burocrático, típico de quem espera a reação do outro para medir seus próximos passos.
A formiga toma a iniciativa.
- Eu tava passando por aqui quando ouvi esse jeito de tocar inconfundível. E aí, como vai?
- Bem... como você pode ver, tirando as rugas e os cabelos brancos, do mesmo jeito.
- Os anos 60 não saíram de você, mesmo. Mas e aí, não casou, não teve filhos?
- Tenho ex-mulher e filhos nos Estados Unidos. E você?
- Casei, tenho dois filhos. Moro numa casa no Jardim Europa.
- Jardim Europa? Pelo jeito o trabalho enobreceu o homem mesmo.
- Sim, não tenho do que me queixar. Tenho empresa própria, invisto na bolsa.
- Ah, sabia que você tinha futuro. Você não descansava nunca, lembra?
- Pois é, se não estava trabalhando, eu estudava.
- Perdi as contas de quantos convites te fiz. Festas, praia, jogar pelada, pescar. Só uma vez você foi com a gente e encheu a cara até cair. Uma vezinha só, meu Deus.
- É, né? Podia ter pegado mais leve. Mas e você, o que fez da vida, amigo?
- Fiquei um bom tempo vivendo da mesada do meu pai. Daí uma hora ele cortou pra me endireitar. E por um tempinho funcionou, arrumei um emprego, casei e tal. Mas essa de vida certinha nunca foi a minha.
- Dá pra ver, você continua tocando as mesmas músicas.
- Eu tive banda, sabia? Cheguei a fazer uma turnê pelo interior do Brasil, toquei em bares, conheci muita gente.
- E nem me convidou?
- Hehe.. Ah, foi uma farra. Uma mulherada, rapaz...
- Eu imagino.
- Mas a coisa uma hora cansou. E foi justo quando conheci minha mulher. Então achei que poderia ser igual a todo mundo. Mas vai, me conta mais de você.
- Não tenho muito o que contar, não. De tanto estudar acabei passando no ITA, com louvor. Todo mundo achava aquela escola um inferno. Mas eu amava.
- É a sua cara.
- O que?
- Se matar de estudar.
- Bom, você me conhece.
- Mas ITA tem a ver com avião, não Bolsa de Valores.
- É que recebi uma proposta no último semestre que me fez arregalar os olhos. Muitos números. Uma empresa do mercado financeiro.
- Capitalismo selvagem.
- E bota selvagem nisso. Da noite pro dia eu podia ter tudo: carrões, relógios, hotéis de luxo, sócio dos clubes mais restritos da cidade. E lógico, mulheres lindas.
- Ah, formigão seu safado.
- E eu, cabaço, com aquele monte de maria-debênture me dando mole, claro, caí na esbórnia. Mas como diz aquele ditado, a gente se lambuza, acabei engravidando uma menina.
- Mulheres, sempre elas.
- Mulheres caras, o que é pior. Voltei ao meu velho estilo, casa-trabalho, trabalho-casa.
- Poxa, mas você tá super-bem, é uma vencedor do sistema.
- Sou?
- Eu é que não sou.
- É tudo uma questão de ponto de vista. Por um lado eu tenho tudo, mas ao mesmo tempo o que me faz ter tudo me acorrenta.
- Ah, pára, trabalho nunca foi problema pra você.
- Mas a falta de tempo é um problema. Sou dono de tudo, menos do meu tempo.
- Isso é um problema pra todos nós, amigo. Olha eu, pareço uma cópia mal feita do Erasmo Carlos.
- Hahaha, bom humor nunca lhe faltou.
- Mas grana... cansei dos boletos entrando por baixo da porta, hoje nem abro mais, vão se acumulando até eu perder o crédito.
- Vai ser marido de mulher rica pra ver o que é boleto.
- Minha vida é um caos, minha casa, um lixo. Eu nunca consegui me organizar, arquitetar o menor projeto que fosse. Por isso estou aqui, como há 30 anos atrás.
- Mas aposto que curtiu cada segundo desses 30 anos.
- Você se engana, meu amigo. Acha que também não tive minhas frustrações, meus arrependimentos? Não me formei, tive empregos porcos e mal pagos. Bebia e fumava meu salário. Não botava um puto em casa.
- Sua mulher trabalhava, então.
- Era a sua versão feminina. Tinha essa coisa maternal de me ajudar, proteger, mas uma hora cansou né? Foi quando ela conheceu um americano que veio trampar aqui por um tempo. Não demorou pra ela se dar conta de que podia ser feliz de verdsade com ele.
- Sinto muito.
- Ah, não precisa. Ela foi ser feliz e fiquei feliz por ela também. Não merecia me levar nas costas, nem ela nem as crianças.
- Deve ser duro pra você ficar longe deles.
- Muito. Mas eu sou do tipo que não se dá bem com instituições, família, etc. Hoje meus amigos são os das praças, os que levam a vida como eu.
- Bom, então nenhum de nós está feliz, é isso?
- Não sei se feliz é a palavara correta. Acho que cada um foi talhado pra um estilo de vida, para o bem ou para o mal. A maneira como cada um aceita e se adapta a isso deixa o sujeito mais ou menos feliz. É o que eu penso.
- Pode ser.
- Bom, mas e aí, quer tomar uma? Tem um bar ótimo ali na esquina.
- É que...
- Ah, tá certo, tem compromisso.
- Jantar na sogra, aniversário da velha.
- Como é que eu podia me esquecer...
- Do aniversário? Mas você não poderia...
- Do seu jeito.
- Ah tá, verdade.
- Então tchau, cara. Prazer em revê-lo.
- O prazer foi meu. Lembranças à família.
- Pra sua também.
Eles já tinham se dado as costas quando a cigarra se volta pra formiga e diz:
- Só uma coisa.
- Hã? Diz.
- Você não mudou nada.
- Você também não, amigo.
E cada um foi para o seu canto, o canto de sempre.
As notas penetrando em seu ouvindo eram o cartão de embarque ao seu passado, moldado em vigor físico e esperança num futuro que se descortinaria em uma vida de enfado.
Por isso foi com enlevo nostálgico que a formiga abriu passagem entre a aglomeração que formava a concha acústica em torno da cantiga, sentimento logo desfeito pela visão de uma cigarra desdentada e decadente.
Um misto de decepção e alívio se apoderou da formiga até o final da apresentação, quando enfim a cigarra foi ter com ela.
Seus olharem já haviam se cruzado durante a última música, o que também motivou a cigarra a encerrá-la abruptamente, quando mais gente se juntava para apreciar.
Com expressões tímidas nos rostos, as duas se aproximaram e trocaram um aperto de mão burocrático, típico de quem espera a reação do outro para medir seus próximos passos.
A formiga toma a iniciativa.
- Eu tava passando por aqui quando ouvi esse jeito de tocar inconfundível. E aí, como vai?
- Bem... como você pode ver, tirando as rugas e os cabelos brancos, do mesmo jeito.
- Os anos 60 não saíram de você, mesmo. Mas e aí, não casou, não teve filhos?
- Tenho ex-mulher e filhos nos Estados Unidos. E você?
- Casei, tenho dois filhos. Moro numa casa no Jardim Europa.
- Jardim Europa? Pelo jeito o trabalho enobreceu o homem mesmo.
- Sim, não tenho do que me queixar. Tenho empresa própria, invisto na bolsa.
- Ah, sabia que você tinha futuro. Você não descansava nunca, lembra?
- Pois é, se não estava trabalhando, eu estudava.
- Perdi as contas de quantos convites te fiz. Festas, praia, jogar pelada, pescar. Só uma vez você foi com a gente e encheu a cara até cair. Uma vezinha só, meu Deus.
- É, né? Podia ter pegado mais leve. Mas e você, o que fez da vida, amigo?
- Fiquei um bom tempo vivendo da mesada do meu pai. Daí uma hora ele cortou pra me endireitar. E por um tempinho funcionou, arrumei um emprego, casei e tal. Mas essa de vida certinha nunca foi a minha.
- Dá pra ver, você continua tocando as mesmas músicas.
- Eu tive banda, sabia? Cheguei a fazer uma turnê pelo interior do Brasil, toquei em bares, conheci muita gente.
- E nem me convidou?
- Hehe.. Ah, foi uma farra. Uma mulherada, rapaz...
- Eu imagino.
- Mas a coisa uma hora cansou. E foi justo quando conheci minha mulher. Então achei que poderia ser igual a todo mundo. Mas vai, me conta mais de você.
- Não tenho muito o que contar, não. De tanto estudar acabei passando no ITA, com louvor. Todo mundo achava aquela escola um inferno. Mas eu amava.
- É a sua cara.
- O que?
- Se matar de estudar.
- Bom, você me conhece.
- Mas ITA tem a ver com avião, não Bolsa de Valores.
- É que recebi uma proposta no último semestre que me fez arregalar os olhos. Muitos números. Uma empresa do mercado financeiro.
- Capitalismo selvagem.
- E bota selvagem nisso. Da noite pro dia eu podia ter tudo: carrões, relógios, hotéis de luxo, sócio dos clubes mais restritos da cidade. E lógico, mulheres lindas.
- Ah, formigão seu safado.
- E eu, cabaço, com aquele monte de maria-debênture me dando mole, claro, caí na esbórnia. Mas como diz aquele ditado, a gente se lambuza, acabei engravidando uma menina.
- Mulheres, sempre elas.
- Mulheres caras, o que é pior. Voltei ao meu velho estilo, casa-trabalho, trabalho-casa.
- Poxa, mas você tá super-bem, é uma vencedor do sistema.
- Sou?
- Eu é que não sou.
- É tudo uma questão de ponto de vista. Por um lado eu tenho tudo, mas ao mesmo tempo o que me faz ter tudo me acorrenta.
- Ah, pára, trabalho nunca foi problema pra você.
- Mas a falta de tempo é um problema. Sou dono de tudo, menos do meu tempo.
- Isso é um problema pra todos nós, amigo. Olha eu, pareço uma cópia mal feita do Erasmo Carlos.
- Hahaha, bom humor nunca lhe faltou.
- Mas grana... cansei dos boletos entrando por baixo da porta, hoje nem abro mais, vão se acumulando até eu perder o crédito.
- Vai ser marido de mulher rica pra ver o que é boleto.
- Minha vida é um caos, minha casa, um lixo. Eu nunca consegui me organizar, arquitetar o menor projeto que fosse. Por isso estou aqui, como há 30 anos atrás.
- Mas aposto que curtiu cada segundo desses 30 anos.
- Você se engana, meu amigo. Acha que também não tive minhas frustrações, meus arrependimentos? Não me formei, tive empregos porcos e mal pagos. Bebia e fumava meu salário. Não botava um puto em casa.
- Sua mulher trabalhava, então.
- Era a sua versão feminina. Tinha essa coisa maternal de me ajudar, proteger, mas uma hora cansou né? Foi quando ela conheceu um americano que veio trampar aqui por um tempo. Não demorou pra ela se dar conta de que podia ser feliz de verdsade com ele.
- Sinto muito.
- Ah, não precisa. Ela foi ser feliz e fiquei feliz por ela também. Não merecia me levar nas costas, nem ela nem as crianças.
- Deve ser duro pra você ficar longe deles.
- Muito. Mas eu sou do tipo que não se dá bem com instituições, família, etc. Hoje meus amigos são os das praças, os que levam a vida como eu.
- Bom, então nenhum de nós está feliz, é isso?
- Não sei se feliz é a palavara correta. Acho que cada um foi talhado pra um estilo de vida, para o bem ou para o mal. A maneira como cada um aceita e se adapta a isso deixa o sujeito mais ou menos feliz. É o que eu penso.
- Pode ser.
- Bom, mas e aí, quer tomar uma? Tem um bar ótimo ali na esquina.
- É que...
- Ah, tá certo, tem compromisso.
- Jantar na sogra, aniversário da velha.
- Como é que eu podia me esquecer...
- Do aniversário? Mas você não poderia...
- Do seu jeito.
- Ah tá, verdade.
- Então tchau, cara. Prazer em revê-lo.
- O prazer foi meu. Lembranças à família.
- Pra sua também.
Eles já tinham se dado as costas quando a cigarra se volta pra formiga e diz:
- Só uma coisa.
- Hã? Diz.
- Você não mudou nada.
- Você também não, amigo.
E cada um foi para o seu canto, o canto de sempre.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
O defeito do perfeccionismo
Dizem que quando você quer algo bem feito, tem que fazer você mesmo.
Mas isso não se aplica a habilidades que não são as suas.
E muitas vezes não se aplica aos perfeccionistas.
Isto é, aí depende do que você chama de algo "bem feito".
O "bem feito" pode ser o razoavelmente executado, só que dentro do prazo.
Pode ser o meticulosamente realizado, mas sem respeito a deadlines.
Dificilmente se tem as duas coisas, a perfeição do trabalho dentro de um prazo exíguo.
Fazer bem feito exige habilidade, experiência, concentração, sorte, recursos financeiros, condições que dificilmente estarão todas reunidas num único projeto.
Além disso muitas vezes é preciso ter ousadia para arriscar, o que aumenta a probabilidade da empreitada não dar certo, jogando o perfeccionismo por água abaixo.
O perfeito não existe, já diziam nossas avós, mas vá tentar convencer um perfeccionista disso.
Provavelmente ele dirá que isso é apenas uma desculpa para ser desleixado, fazer meia-boquice.
Porque esse é um dos defeitos do perfeccionista: acreditar que só há 8 ou 80, o perfeito ou o serviço porco.
Mas como diriam os budistas, há sempre o caminho do meio.
E esse caminho do meio é amplo, tem várias pistas como uma highway européia.
O satisfatório pode ir de nota 5 a 9, o que, convenhamos, para muitas coisas na vida está mais do que bom.
Mas o perfeccionista não pensa assim.
Para ele, hotel deveria ter até 10 estrelas, aluno deveria buscar a nota 11, a miss, só para se candidatar, teria que medir 60x90x60.
Por isso o perfeccionista sofre.
Patina no terreno da hesitação.
Como tudo necessita de preparação, o tempo é seu maior inimigo.
Em sua lógica, se nada for planejado, ensaiado, exaurido, o resultado só poderá ser pífio.
Mas de longe não depende só disso.
A vida escolhe caminhos aleatórios, toma direções imprevistas, muitas vezes contra a nossa vontade.
Por isso é preciso aceitar as derrotas.
Muitas vezes todos os fatores comungam com o sucesso, mas na última hora ele dá no-show.
O perfeccionista precisa aprender a se perdoar.
Desenvolver capacidade de resignação diante dos revezes.
Até achar uma certa graça e "prazer" em falhar.
Porque os que mais falham, provavelmente estão vivendo melhor, com mais autenticidade e ousadia.
E beliscando um sucesso ou outro, de vez em quando.
É uma relação estatística entre tentativa e acerto, que a vida demonstra melhor que os números.
Mas isso não se aplica a habilidades que não são as suas.
E muitas vezes não se aplica aos perfeccionistas.
Isto é, aí depende do que você chama de algo "bem feito".
O "bem feito" pode ser o razoavelmente executado, só que dentro do prazo.
Pode ser o meticulosamente realizado, mas sem respeito a deadlines.
Dificilmente se tem as duas coisas, a perfeição do trabalho dentro de um prazo exíguo.
Fazer bem feito exige habilidade, experiência, concentração, sorte, recursos financeiros, condições que dificilmente estarão todas reunidas num único projeto.
Além disso muitas vezes é preciso ter ousadia para arriscar, o que aumenta a probabilidade da empreitada não dar certo, jogando o perfeccionismo por água abaixo.
O perfeito não existe, já diziam nossas avós, mas vá tentar convencer um perfeccionista disso.
Provavelmente ele dirá que isso é apenas uma desculpa para ser desleixado, fazer meia-boquice.
Porque esse é um dos defeitos do perfeccionista: acreditar que só há 8 ou 80, o perfeito ou o serviço porco.
Mas como diriam os budistas, há sempre o caminho do meio.
E esse caminho do meio é amplo, tem várias pistas como uma highway européia.
O satisfatório pode ir de nota 5 a 9, o que, convenhamos, para muitas coisas na vida está mais do que bom.
Mas o perfeccionista não pensa assim.
Para ele, hotel deveria ter até 10 estrelas, aluno deveria buscar a nota 11, a miss, só para se candidatar, teria que medir 60x90x60.
Por isso o perfeccionista sofre.
Patina no terreno da hesitação.
Como tudo necessita de preparação, o tempo é seu maior inimigo.
Em sua lógica, se nada for planejado, ensaiado, exaurido, o resultado só poderá ser pífio.
Mas de longe não depende só disso.
A vida escolhe caminhos aleatórios, toma direções imprevistas, muitas vezes contra a nossa vontade.
Por isso é preciso aceitar as derrotas.
Muitas vezes todos os fatores comungam com o sucesso, mas na última hora ele dá no-show.
O perfeccionista precisa aprender a se perdoar.
Desenvolver capacidade de resignação diante dos revezes.
Até achar uma certa graça e "prazer" em falhar.
Porque os que mais falham, provavelmente estão vivendo melhor, com mais autenticidade e ousadia.
E beliscando um sucesso ou outro, de vez em quando.
É uma relação estatística entre tentativa e acerto, que a vida demonstra melhor que os números.
domingo, 7 de dezembro de 2014
Augusta rua
Alguns lutam a vida inteira para tornar um sobrenome importante.
Ela atravessa décadas consagrando um singelo primeiro nome como símbolo do apogeu e queda de uma região: a Rua Augusta.
A Augusta já representou a opulência aristocrática, o endereço de luxo das mais importantes grifes à disposição dos abonados paulistanos - hoje foi superada pelo tal de Oscar, que precisa de um Freire na frente para merecer o mesmo respeito de sua antecessora.
Pelas ruas da Augusta, muito antes dos motoboys ameaçarem decapitar qualquer desavisado que ousasse colocar a cabeça para fora, eram comuns os emparelhamentos de carros, onde paquerantes e paquerados trocavam olhares, galanteios e números de telefone.
Hoje em dia fica difícil imaginar por ali um desfile de beldades em capotas abertas, a não ser numa ação de marketing fake.
Em seguida, dominada em sua região mais baixa pelas saunas e meretrícios, a Augusta virou antro do submundo, por onde os mais envergonhados passavam olhando as vitrines e putas de esguelha, ao contrário dos libertinos, que não se rogavam em parar o carro em busca de companhia de fim de festa.
Mais recentemente, em tempos de cultura hype, a Augusta tomou a dianteira como QG do underground paulistano, passando a abrigar, entre bares, baladas, lojas e puteiros, os points mais cool da cidade, concentrando o maior índice de biodiversidade por metro quadrado da cidade.
Algo semelhante à Reeperbahn de Hamburgo, que reúne baladas cool com uma miniatura do red light district de Amsterdam, juntando quem vive à noite com quem vive da noite sem nenhum preconceito.
Basta sentar-se à uma mesinha da Augusta no fim da tarde do sábado para observar a troca de guarda de seus frequentadores.
Aos poucos os estudantes de sociais amantes do papo e da breja gelada darão lugar a punks, freaks e espécies afins, refletindo nas calçadas os brilhos das fechadas de neon.
Há também os mais comportados, que acabaram ali apenas para uma sessão de cinema, show de stand-up ou um lanche do Frevinho.
Esses só estão ali para comprovar a vocação plural da Augusta.
Pena que essa pluraridade esteja com os dias contados, com a especulação imobiliária engolindo mais uma vez os 15 minutos de fama de suas fachadas coloridas.
Mas ainda que o tsunami urbano atravesse o leito da rua e ponha abaixo sua caracterização, a Augusta conservará em seus genes sua capacidade de ser vanguarda sob qualquer condição.
Coisa que sua prima esnobe e coxinha, a Avenida Paulista, não conseguiu manter.
Ela atravessa décadas consagrando um singelo primeiro nome como símbolo do apogeu e queda de uma região: a Rua Augusta.
A Augusta já representou a opulência aristocrática, o endereço de luxo das mais importantes grifes à disposição dos abonados paulistanos - hoje foi superada pelo tal de Oscar, que precisa de um Freire na frente para merecer o mesmo respeito de sua antecessora.
Pelas ruas da Augusta, muito antes dos motoboys ameaçarem decapitar qualquer desavisado que ousasse colocar a cabeça para fora, eram comuns os emparelhamentos de carros, onde paquerantes e paquerados trocavam olhares, galanteios e números de telefone.
Hoje em dia fica difícil imaginar por ali um desfile de beldades em capotas abertas, a não ser numa ação de marketing fake.
Em seguida, dominada em sua região mais baixa pelas saunas e meretrícios, a Augusta virou antro do submundo, por onde os mais envergonhados passavam olhando as vitrines e putas de esguelha, ao contrário dos libertinos, que não se rogavam em parar o carro em busca de companhia de fim de festa.
Mais recentemente, em tempos de cultura hype, a Augusta tomou a dianteira como QG do underground paulistano, passando a abrigar, entre bares, baladas, lojas e puteiros, os points mais cool da cidade, concentrando o maior índice de biodiversidade por metro quadrado da cidade.
Algo semelhante à Reeperbahn de Hamburgo, que reúne baladas cool com uma miniatura do red light district de Amsterdam, juntando quem vive à noite com quem vive da noite sem nenhum preconceito.
Basta sentar-se à uma mesinha da Augusta no fim da tarde do sábado para observar a troca de guarda de seus frequentadores.
Aos poucos os estudantes de sociais amantes do papo e da breja gelada darão lugar a punks, freaks e espécies afins, refletindo nas calçadas os brilhos das fechadas de neon.
Há também os mais comportados, que acabaram ali apenas para uma sessão de cinema, show de stand-up ou um lanche do Frevinho.
Esses só estão ali para comprovar a vocação plural da Augusta.
Pena que essa pluraridade esteja com os dias contados, com a especulação imobiliária engolindo mais uma vez os 15 minutos de fama de suas fachadas coloridas.
Mas ainda que o tsunami urbano atravesse o leito da rua e ponha abaixo sua caracterização, a Augusta conservará em seus genes sua capacidade de ser vanguarda sob qualquer condição.
Coisa que sua prima esnobe e coxinha, a Avenida Paulista, não conseguiu manter.
sábado, 6 de dezembro de 2014
Personagens
Personagens.
Histórias só existem por eles.
Complexos, esquizofrênicos, doces, passionais, melodramáticos, pacatos, alérgicos, ninfomaníacos, ultradimensionais.
Saio à rua e os encontro aos montes.
Todos interessantes.
De perto são ricos, intrigantes, misteriosos.
Ninguém é normal, já dizia alguém que esqueci.
Um segurança de prédio macambúzio, de noite vai entrelaçar as pernas como um extrovertido professor de cúmbia.
A velhinha caquética e assassina.
O moleque de rua que é um talentoso escultor.
O traficante que lidera romarias em feriados santos.
Todos eles empenhados no astuto trabalho de dissimulação de suas identidades ocultas.
Deixando entrever apenas uma fresta mínima para a imaginação sorrateira.
Que de lá irá extrair o que têm de mais interessante.
Verdade ou ficção, não importa.
A verdade sempre é relativa.
Não existe o "de carne e osso" na dimensão molecular.
Não existe o molecular em outra dimensão.
Não existe o hoje na coexistência atemporal do mundo.
Existe somente o que quisermos ver, sentir, pintar na tela imaginária, cósmica, atômica.
Nosso ponto de vista não é só da vista.
É dos outros sentidos, da memória emocional, da experiência.
A identificação com um personagem vem de um simples gesto, olhar, a sutileza que reverbera em camadas atrofiadas do inconsciente.
Que pedem carona à história para vir à tona.
Ou apenas fazer um bate-e-volta.
Personagem bom é o que nos pega pela mão para um passeio pelas trevas.
Que constrói a ponte para retomar a jornada do ponto onde se abriu um abismo.
Combinar um cinema ou teatro com alguém é mero pretexto.
O encontro verdadeiro é o seu com o personagem.
Desse encontro pode sair mais um caso de amor à vida.
Histórias só existem por eles.
Complexos, esquizofrênicos, doces, passionais, melodramáticos, pacatos, alérgicos, ninfomaníacos, ultradimensionais.
Saio à rua e os encontro aos montes.
Todos interessantes.
De perto são ricos, intrigantes, misteriosos.
Ninguém é normal, já dizia alguém que esqueci.
Um segurança de prédio macambúzio, de noite vai entrelaçar as pernas como um extrovertido professor de cúmbia.
A velhinha caquética e assassina.
O moleque de rua que é um talentoso escultor.
O traficante que lidera romarias em feriados santos.
Todos eles empenhados no astuto trabalho de dissimulação de suas identidades ocultas.
Deixando entrever apenas uma fresta mínima para a imaginação sorrateira.
Que de lá irá extrair o que têm de mais interessante.
Verdade ou ficção, não importa.
A verdade sempre é relativa.
Não existe o "de carne e osso" na dimensão molecular.
Não existe o molecular em outra dimensão.
Não existe o hoje na coexistência atemporal do mundo.
Existe somente o que quisermos ver, sentir, pintar na tela imaginária, cósmica, atômica.
Nosso ponto de vista não é só da vista.
É dos outros sentidos, da memória emocional, da experiência.
A identificação com um personagem vem de um simples gesto, olhar, a sutileza que reverbera em camadas atrofiadas do inconsciente.
Que pedem carona à história para vir à tona.
Ou apenas fazer um bate-e-volta.
Personagem bom é o que nos pega pela mão para um passeio pelas trevas.
Que constrói a ponte para retomar a jornada do ponto onde se abriu um abismo.
Combinar um cinema ou teatro com alguém é mero pretexto.
O encontro verdadeiro é o seu com o personagem.
Desse encontro pode sair mais um caso de amor à vida.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2014
A borboleta
Um garoto de 6 anos conversa com sua mãe no jardim de casa.
- Mãe, verdade que essa borboleta já foi uma larva?
- Verdade, filho, uma larva bem feia.
- Mas como ela conseguiu ficar assim tão bonita? Fez plástica?
- Não, amor, borboletas não fazem plásticas. É a natureza mesmo, um processo chamado metamorfose.
- Meta o quê?
- Metamorfose. A larva entra numa espécie de casinha chamada casulo - que ela mesma faz - e de lá sai transformada, com asas, toda lindinha como essa aí.
- Ah, tipo a cabine do super-homem?
- Mais ou menos, filho. O super-homem só troca de roupa, a borboleta se transforma completamente.
- Então o homem não consegue ganhar asas?
- Nem com Red Bull.
- Hã?
- Nada, esquece. Infelizmente não, Gutinho. Por isso inventamos o avião, a asa delta.
- Então o homem não passa por essa tal metamorfose?
- Passa sim. Mas a metamorfose no homem só muda ele por dentro.
- Hã? As asas do homem nascem por dentro?
- De alguma forma sim, um dia você vai entender.
- Mas eu quero entender agora, mãe. Por favor, me explica.
- A metamorfose no homem acontece de várias formas. Por exemplo, o seu irmão Pedro está ficando com a voz grossa. Ele está passando por uma metamorfose chamada adolescência.
- Mas eu quero saber das asas, mamãe, não da voz.
- Quando o homem ganha asas, meu amor, é só um modo de dizer. Sua irmã Paula foi morar em outra casa, se formou e depois casou. Então ela ganhou asas, ganhou vida própria.
- Sei, então isso é metamorfose?
- Sim, uma mudança grande na vida da gente.
- Então o que aconteceu com o papai também foi metamorfose.
- Pois é. Seu pai encontrou outra mulher e preferiu sair de casa. Foi uma metamorfose pra ele, pra todos nós.
- Ah, então eu não quero passar por metamorfose não. Quero ficar aqui com você para sempre.
- Mas um dia você também vai querer sair de casa.
- Não vou não, mãe. Não vou conseguir largar tudo isso aqui. Você, o Pedro, meu quarto, meus brinquedos.
- Pois é, seu quarto é o seu casulo. Um dia você também vai sair de dentro dele, vai bater suas asas e ir embora daqui.
- Não vou não.
- Vai sim, é a natureza.
- Mas eu vou ficar triste.
- Eu também, mas é a natureza chamando, meu filho. Não tem como dizer não para um chamado da natureza.
- Tirando o Paquito, já não gosto mais da natureza.
- Mas o Paquito também saiu um dia da casa dele e nunca mais voltou.
- Cachorro desnaturado. Pode deixar, mãe, isso não vai acontecer comigo.
E naquele dia Guto dormiu fora de seu casulo, com medo de ser expulso pela natureza.
- Mãe, verdade que essa borboleta já foi uma larva?
- Verdade, filho, uma larva bem feia.
- Mas como ela conseguiu ficar assim tão bonita? Fez plástica?
- Não, amor, borboletas não fazem plásticas. É a natureza mesmo, um processo chamado metamorfose.
- Meta o quê?
- Metamorfose. A larva entra numa espécie de casinha chamada casulo - que ela mesma faz - e de lá sai transformada, com asas, toda lindinha como essa aí.
- Ah, tipo a cabine do super-homem?
- Mais ou menos, filho. O super-homem só troca de roupa, a borboleta se transforma completamente.
- Então o homem não consegue ganhar asas?
- Nem com Red Bull.
- Hã?
- Nada, esquece. Infelizmente não, Gutinho. Por isso inventamos o avião, a asa delta.
- Então o homem não passa por essa tal metamorfose?
- Passa sim. Mas a metamorfose no homem só muda ele por dentro.
- Hã? As asas do homem nascem por dentro?
- De alguma forma sim, um dia você vai entender.
- Mas eu quero entender agora, mãe. Por favor, me explica.
- A metamorfose no homem acontece de várias formas. Por exemplo, o seu irmão Pedro está ficando com a voz grossa. Ele está passando por uma metamorfose chamada adolescência.
- Mas eu quero saber das asas, mamãe, não da voz.
- Quando o homem ganha asas, meu amor, é só um modo de dizer. Sua irmã Paula foi morar em outra casa, se formou e depois casou. Então ela ganhou asas, ganhou vida própria.
- Sei, então isso é metamorfose?
- Sim, uma mudança grande na vida da gente.
- Então o que aconteceu com o papai também foi metamorfose.
- Pois é. Seu pai encontrou outra mulher e preferiu sair de casa. Foi uma metamorfose pra ele, pra todos nós.
- Ah, então eu não quero passar por metamorfose não. Quero ficar aqui com você para sempre.
- Mas um dia você também vai querer sair de casa.
- Não vou não, mãe. Não vou conseguir largar tudo isso aqui. Você, o Pedro, meu quarto, meus brinquedos.
- Pois é, seu quarto é o seu casulo. Um dia você também vai sair de dentro dele, vai bater suas asas e ir embora daqui.
- Não vou não.
- Vai sim, é a natureza.
- Mas eu vou ficar triste.
- Eu também, mas é a natureza chamando, meu filho. Não tem como dizer não para um chamado da natureza.
- Tirando o Paquito, já não gosto mais da natureza.
- Mas o Paquito também saiu um dia da casa dele e nunca mais voltou.
- Cachorro desnaturado. Pode deixar, mãe, isso não vai acontecer comigo.
E naquele dia Guto dormiu fora de seu casulo, com medo de ser expulso pela natureza.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2014
Carpe diem
Diálogo entre duas drosófilas recém-nascidas:
- E aí, quais são os seus planos de vida?
- Planos? Mas eu acabei de nascer, ainda não tive tempo...
- Quanto mais cedo você se planejar, melhor.
- Melhor para quê?
- Para você se realizar, cumprir sua missão.
- Missão? Mas que missão?
- Ué? Ter uma profissão, casar, ser feliz, o que você sonhar.
- Mas pôxa, ainda nem me desgarrei dessa casca de banana...
- Só que a vida é curta. Com 24 horas de idade você vai virar um adolescente. Depois, lá pelas 48 horas vai encontrar uma profissão. Com 72, se enroscar em alguém e se acasalar. Com 96, virar avó. E assim por diante até bater as asas, digo, as botas.
- Isso se antes não virar jantar de lagartixa.
- Claro, mas estou falando da expectativa de vida média de nós drosófilas, que gira em torno de 7 a 8 dias, segundo o último IBGE.
- Nossa, como a vida é curta. Acho que vou me lambuzar nesse lixo enquanto posso.
- Como assim? Não há tempo a perder. Há muito o que fazer antes do adeus.
- Mas por mais que a gente faça, somos apenas drosófilas. A mosca do cocô do cavalo do bandido.
- E aí, vai ficar com papo existencial agora?
- Você é que está me cobrando um "sentido" para a vida. Eu só quero chafurdar aqui, nada mais.
- Mas amiga, isso é muito pouco. Há um mundo todo lá fora a explorar.
- Um mundo todo lá fora? Mesmo que você saia voando com turbinas no máximo, qual a distância que vai alcançar com 7, 8 dias? No máximo sair do bairro.
- O que proporcionalmente falando é um universo, não?
- Não estamos falando de Paris, né amiga? Esqueceu que nascemos no subúrbio de São Paulo?
- Olha, eu não vou gastar mais nenhum minuto discutindo com você. Faça o que bem entender com os seus 7...quer dizer, 6 dias 23 horas e 45 minutos de vida. Passar bem.
Nisso a mosquinha sai voando à toda rumo ao grandioso mundo de possibilidades que a espera janela afora.
Tão eufórica que não percebe a presença de uma vidraça que acabou de ser lustrada pela faxineira e se espatifa contra ela, dando fim à sua vida nas flor dos seus 14 minutos e 37 segundos de idade.
A outra drosófila assiste estupefata ao desfecho irônico daquele debate entre opiniões antagônicas sobre a vida.
E ao ver o saco de lixo se fechar acima pelas mãos da faxineira, presencia a sua própria condenação ao cárcere perpétuo, relegada ao escuro, ao calor e à asfixia, dentro do saco preto tão temido pelos homens.
Mas, conformada, apenas dá de ombros e volta a se esbaldar no néctar de um cacho de uvas apodrecidas.
Se o mundo não se importa com mosquinhas, pensou ela, não sou eu quem vai fazer isso.
- E aí, quais são os seus planos de vida?
- Planos? Mas eu acabei de nascer, ainda não tive tempo...
- Quanto mais cedo você se planejar, melhor.
- Melhor para quê?
- Para você se realizar, cumprir sua missão.
- Missão? Mas que missão?
- Ué? Ter uma profissão, casar, ser feliz, o que você sonhar.
- Mas pôxa, ainda nem me desgarrei dessa casca de banana...
- Só que a vida é curta. Com 24 horas de idade você vai virar um adolescente. Depois, lá pelas 48 horas vai encontrar uma profissão. Com 72, se enroscar em alguém e se acasalar. Com 96, virar avó. E assim por diante até bater as asas, digo, as botas.
- Isso se antes não virar jantar de lagartixa.
- Claro, mas estou falando da expectativa de vida média de nós drosófilas, que gira em torno de 7 a 8 dias, segundo o último IBGE.
- Nossa, como a vida é curta. Acho que vou me lambuzar nesse lixo enquanto posso.
- Como assim? Não há tempo a perder. Há muito o que fazer antes do adeus.
- Mas por mais que a gente faça, somos apenas drosófilas. A mosca do cocô do cavalo do bandido.
- E aí, vai ficar com papo existencial agora?
- Você é que está me cobrando um "sentido" para a vida. Eu só quero chafurdar aqui, nada mais.
- Mas amiga, isso é muito pouco. Há um mundo todo lá fora a explorar.
- Um mundo todo lá fora? Mesmo que você saia voando com turbinas no máximo, qual a distância que vai alcançar com 7, 8 dias? No máximo sair do bairro.
- O que proporcionalmente falando é um universo, não?
- Não estamos falando de Paris, né amiga? Esqueceu que nascemos no subúrbio de São Paulo?
- Olha, eu não vou gastar mais nenhum minuto discutindo com você. Faça o que bem entender com os seus 7...quer dizer, 6 dias 23 horas e 45 minutos de vida. Passar bem.
Nisso a mosquinha sai voando à toda rumo ao grandioso mundo de possibilidades que a espera janela afora.
Tão eufórica que não percebe a presença de uma vidraça que acabou de ser lustrada pela faxineira e se espatifa contra ela, dando fim à sua vida nas flor dos seus 14 minutos e 37 segundos de idade.
A outra drosófila assiste estupefata ao desfecho irônico daquele debate entre opiniões antagônicas sobre a vida.
E ao ver o saco de lixo se fechar acima pelas mãos da faxineira, presencia a sua própria condenação ao cárcere perpétuo, relegada ao escuro, ao calor e à asfixia, dentro do saco preto tão temido pelos homens.
Mas, conformada, apenas dá de ombros e volta a se esbaldar no néctar de um cacho de uvas apodrecidas.
Se o mundo não se importa com mosquinhas, pensou ela, não sou eu quem vai fazer isso.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Perdeu-se a magia, tratar com você mesmo.
Quando o homem vivia em clãs a magia era tão necessária e presente em sua vida quanto o Bolsa Família.
Nada causava estranheza aos olhos de um ser humano mais conectado com a natureza e nada tecnocrata.
Mas daí veio a ciência para condenar tudo que não fosse empírico, a cercear nosso instinto.
Paramos de pensar com todos os nossos sentidos.
Passamos a reverenciar o cérebro e colocamos cientistas e empresários como Einstein e Steve Jobs não apenas no rol dos gênios, mas também no panteão dos ídolos.
Ok, explicar a matéria e fazer telas comandadas pelo toque humano também são mágicos, mas o fato de vir com manual do usuário já tira toda a graça.
A magia que anda escassa é a da crença.
A crença ingênua, a do artista, dos apaixonados, do homem que vive numa eterna transmutação entre adulto e criança.
Entre o jovem que acreditava num mundo de possibilidades infinitas e o adulto que só enxerga o preto no branco, ficou um abismo de possibilidades perdidas.
Podemos fazer a descida de volta para resgatá-las? Claro que sim.
Como também preparar o terreno para que coisas novas brotem.
O problema é a falta de tempo e espaço.
A necessidade de sobrevivência mingua nossas oportunidades de explorar o auto-conhecimento.
Os que ganham mais do que para comer, se auto-congratulam com o consumo de luxo, justificando as horas extras, as noites mal dormidas, o stress que debilita a saúde.
Nada contra uma bela moradia, bons carros e viagens exóticas.
Só que as horas do seu traseiro colado na cadeira do escritório são as mesmas do convívio com a natureza, a arte, pessoas diferentes, enfim, do livre vagar por aí sendo apenas você.
Por isso há que se pensar se a compensação do capitalismo não anda por demais descompensada.
Estamos nos contentando com pouco.
Ha algo errado quando o post da praia paradisíaca é mais importante que sentir a areia nos pés.
Nada causava estranheza aos olhos de um ser humano mais conectado com a natureza e nada tecnocrata.
Mas daí veio a ciência para condenar tudo que não fosse empírico, a cercear nosso instinto.
Paramos de pensar com todos os nossos sentidos.
Passamos a reverenciar o cérebro e colocamos cientistas e empresários como Einstein e Steve Jobs não apenas no rol dos gênios, mas também no panteão dos ídolos.
Ok, explicar a matéria e fazer telas comandadas pelo toque humano também são mágicos, mas o fato de vir com manual do usuário já tira toda a graça.
A magia que anda escassa é a da crença.
A crença ingênua, a do artista, dos apaixonados, do homem que vive numa eterna transmutação entre adulto e criança.
Entre o jovem que acreditava num mundo de possibilidades infinitas e o adulto que só enxerga o preto no branco, ficou um abismo de possibilidades perdidas.
Podemos fazer a descida de volta para resgatá-las? Claro que sim.
Como também preparar o terreno para que coisas novas brotem.
O problema é a falta de tempo e espaço.
A necessidade de sobrevivência mingua nossas oportunidades de explorar o auto-conhecimento.
Os que ganham mais do que para comer, se auto-congratulam com o consumo de luxo, justificando as horas extras, as noites mal dormidas, o stress que debilita a saúde.
Nada contra uma bela moradia, bons carros e viagens exóticas.
Só que as horas do seu traseiro colado na cadeira do escritório são as mesmas do convívio com a natureza, a arte, pessoas diferentes, enfim, do livre vagar por aí sendo apenas você.
Por isso há que se pensar se a compensação do capitalismo não anda por demais descompensada.
Estamos nos contentando com pouco.
Ha algo errado quando o post da praia paradisíaca é mais importante que sentir a areia nos pés.
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
Você anda vendo muito filme americano
Você já deve ter ouvido essa frase de alguém, quando por exemplo, levantou uma hipótese com mais cheiro de fantasia do que da nossa pacata rotina.
É que os americanos, pela própria insistência em alimentar o tal sonho yankee, são mestres em florear, dramatizar, enlevar, espetacularizar o seu próprio dia-a-dia, transformando tudo que é vivido por lá num grande espetáculo.
Os filmes, embora de uma maneira exagerada, acabam refletindo esse sentimento de que nada na vida é tão banal que não possa virar um musical da broadway.
Lógico que vender o mito americano é parte fundamental da tarefa de manter sua hegemonia econômica e cultural sobre o mundo.
Um mundo que é ávido por consumir tudo que o show bizz deles é capaz de vender, afinal somos uma platéia assídua do espetáculo incessante chamado Estados Unidos.
Isso não é uma crítica direta ao regime econômico ou sistema de governo.
Antes disso, critico a idolatria cega que o resto do mundo devota ao Tio Sam.
O que o americano médio apresenta como ideal de life style está longe de ser um mode de vida equilibrado e feliz.
Fosse assim não veríamos os desajustes sociais que povoam os telejornais e suas obras de ficção.
Some-se a isso um constante sentimento de insegurança, alimentado pela indústria armamentista, e você terá uma sociedade doente, obcecada pela próxima catástrofe por vir.
Mas a impressão que dá é que o povo vive conformado com o status quo.
Parece que há uma aceitação velada de que esse é o preço a ser pago pela mais invejada e temida nação do mundo.
Uma nação formada por self-made men truculentos, partidários da eficiência, de gente que não titubeia para sacar uma arma na legítima defesa de si mesma.
Seu espírito vencedor nato é a mola mestra de uma sociedade materialmente bem-sucedida.
Mas não dá para deixar de apontar a empáfia americana de olhar somente para o próprio umbigo, não dando bola nem para sua mãe Inglaterra.
Os maiores defensores dos Estados Unidos rasgam elogios a um país "onde tudo funciona", mesmo que essa eficiência inclua as atrocidades que eles fazem em seus quintais espalhados pelo globo.
Mas "funcionar" é qualidade de engrenagem, de máquina.
Não da alma e do coração de um povo.
É que os americanos, pela própria insistência em alimentar o tal sonho yankee, são mestres em florear, dramatizar, enlevar, espetacularizar o seu próprio dia-a-dia, transformando tudo que é vivido por lá num grande espetáculo.
Os filmes, embora de uma maneira exagerada, acabam refletindo esse sentimento de que nada na vida é tão banal que não possa virar um musical da broadway.
Lógico que vender o mito americano é parte fundamental da tarefa de manter sua hegemonia econômica e cultural sobre o mundo.
Um mundo que é ávido por consumir tudo que o show bizz deles é capaz de vender, afinal somos uma platéia assídua do espetáculo incessante chamado Estados Unidos.
Isso não é uma crítica direta ao regime econômico ou sistema de governo.
Antes disso, critico a idolatria cega que o resto do mundo devota ao Tio Sam.
O que o americano médio apresenta como ideal de life style está longe de ser um mode de vida equilibrado e feliz.
Fosse assim não veríamos os desajustes sociais que povoam os telejornais e suas obras de ficção.
Some-se a isso um constante sentimento de insegurança, alimentado pela indústria armamentista, e você terá uma sociedade doente, obcecada pela próxima catástrofe por vir.
Mas a impressão que dá é que o povo vive conformado com o status quo.
Parece que há uma aceitação velada de que esse é o preço a ser pago pela mais invejada e temida nação do mundo.
Uma nação formada por self-made men truculentos, partidários da eficiência, de gente que não titubeia para sacar uma arma na legítima defesa de si mesma.
Seu espírito vencedor nato é a mola mestra de uma sociedade materialmente bem-sucedida.
Mas não dá para deixar de apontar a empáfia americana de olhar somente para o próprio umbigo, não dando bola nem para sua mãe Inglaterra.
Os maiores defensores dos Estados Unidos rasgam elogios a um país "onde tudo funciona", mesmo que essa eficiência inclua as atrocidades que eles fazem em seus quintais espalhados pelo globo.
Mas "funcionar" é qualidade de engrenagem, de máquina.
Não da alma e do coração de um povo.
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