quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Carpe diem

Diálogo entre duas drosófilas recém-nascidas:
- E aí, quais são os seus planos de vida?
- Planos? Mas eu acabei de nascer, ainda não tive tempo...
- Quanto mais cedo você se planejar, melhor.
- Melhor para quê?
- Para você se realizar, cumprir sua missão.
- Missão? Mas que missão?
- Ué? Ter uma profissão, casar, ser feliz, o que você sonhar.
- Mas pôxa, ainda nem me desgarrei dessa casca de banana...
- Só que a vida é curta. Com 24 horas de idade você vai virar um adolescente. Depois, lá pelas 48 horas vai encontrar uma profissão. Com 72, se enroscar em alguém e se acasalar. Com 96, virar avó. E assim por diante até bater as asas, digo, as botas.
- Isso se antes não virar jantar de lagartixa.
- Claro, mas estou falando da expectativa de vida média de nós drosófilas, que gira em torno de 7 a 8 dias, segundo o último IBGE.
- Nossa, como a vida é curta. Acho que vou me lambuzar nesse lixo enquanto posso.
- Como assim? Não há tempo a perder. Há muito o que fazer antes do adeus.
- Mas por mais que a gente faça, somos apenas drosófilas. A mosca do cocô do cavalo do bandido.
- E aí, vai ficar com papo existencial agora?
- Você é que está me cobrando um "sentido" para a vida. Eu só quero chafurdar aqui, nada mais.
- Mas amiga, isso é muito pouco. Há um mundo todo lá fora a explorar.
- Um mundo todo lá fora? Mesmo que você saia voando com turbinas no máximo, qual a distância que vai alcançar com 7, 8 dias? No máximo sair do bairro.
- O que proporcionalmente falando é um universo, não?
- Não estamos falando de Paris, né amiga? Esqueceu que nascemos no subúrbio de São Paulo?
- Olha, eu não vou gastar mais nenhum minuto discutindo com você. Faça o que bem entender com os seus 7...quer dizer, 6 dias 23 horas e 45 minutos de vida. Passar bem.

Nisso a mosquinha sai voando à toda rumo ao grandioso mundo de possibilidades que a espera janela afora.
Tão eufórica que não percebe a presença de uma vidraça que acabou de ser lustrada pela faxineira e se espatifa contra ela, dando fim à sua vida nas flor dos seus 14 minutos e 37 segundos de idade.
A outra drosófila assiste estupefata ao desfecho irônico daquele debate entre opiniões antagônicas sobre a vida.
E ao ver o saco de lixo se fechar acima pelas mãos da faxineira, presencia a sua própria condenação ao cárcere perpétuo, relegada ao escuro, ao calor e à asfixia, dentro do saco preto tão temido pelos homens.
Mas, conformada, apenas dá de ombros e volta a se esbaldar no néctar de um cacho de uvas apodrecidas.
Se o mundo não se importa com mosquinhas, pensou ela, não sou eu quem vai fazer isso.

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