segunda-feira, 20 de junho de 2016

Bonequinho de luxo

Acabei de ler "A sangue frio" e na sequência assisti a "Capote", filme que tem Philip Seymour Hoffman no papel-título.
Tanto no livro quanto no filme o meu principal interesse era conhecer a controversa figura de Truman Capote, escritor que com essa obra se auto-intitulou o criador do romance de não-fição.
Dizem que na verdade ele não foi criador do gênero, mas um aperfeiçoador.
Capote era um personagem de si mesmo, um escritor-jornalista da prestigiada revista New Yorker que frequentava as altas rodas nova-iorquinas e procurava seduzir a todos que os rodeavam.
Ao ler uma notícia sobre o assassinato dos Clutter, uma família de fazendeiros de um pacato lugarejo do Kansas, viu a oportunidade de escrever uma matéria para a revista, que seria editada em livro e se tornaria sua obra-prima.
O que Capote viu como oportunidade não era o relato do crime em si, mas o impacto deste numa pequena comunidade, onde os laços de amizade e confiança jamais seriam os mesmos.
O que mais me chamou a atenção na construção dessa história foi a relação de Capote com os personagens, principalmente com um dos assassinos, Perry Smith, relatada no filme.
Capote acompanhou de perto o processo judicial que levou os criminosos à forca, cuja sentença foi postergada em inúmeras apelações, que alegavam insanidade dos condenados.
Em certo momento começamos a duvidar se o envolvimento do escritor com seus próprios personagens não interfere no desenrolar dos acontecimentos, e se isso não alterou o que supostamente era pra ser um romance de não ficção.
Capote começa a sofrer com a morosidade do processo, não se sabe se pela relação que tem com Smith - de quem há suspeitas de que tenha virado amante - ou se pela demora em finalizar seu livro, que depende do desenlace do processo.
Daí vem a acusação ao escritor: a de que mesmo percebendo a insanidade dos criminosos, nada fez para pelo menos endossar a defesa dos advogados de apelação.
Essa omissão é questionável, já que na época a avaliação da capacidade do réu de responder por seus atos dependia da jurisdição local e no Kansas isso estava longe de ter respaldo científico.
"Torcendo" ou não pela morte capital dos condenados, o fato é que esta foi fundamental para a dramaticidade do livro, o que contribuiu para eternizar o autor de "Bonequinha de luxo".
Às vezes não há limites para a ambição de um artista, mas nesse caso a discussão da ética passava pelo assassinato covarde de uma bem quista família do interior dos EUA em 1959.
Colocando os devidos pesos na balança, Capote foi absolvido por nos entregar um dos maiores romances americanos da história.

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