Quem leu "Cartaz a um jovem poeta", de Rainer Maria Rilke, imagina que o autor responderia à pergunta que intitula esse post com um peremptório "porque você precisa".
Esse "precisar" a que o autor se refere é a necessidade do artista, de fazer aquilo como quem respira.
Ok, isso é bonito e define o talentoso, mas e nós, pobres mortais assalariados que também fazemos da escrita um ganha pão emocional?
O fato de não termos os mesmos talento e necessidade, de não jogar tudo para o alto pra viver de ar e poesia, nos faz escritores com propósitos menores do que os gênios?
Falando por mim, acho que os propósitos na verdade são diferentes.
Acredito que umas das minhas motivações para escrever é literalmente passar a limpo as minhas emoções e, estando ali expressas numa página, perceber se elas estão em conformidade com o que sinto e o que estou vivendo.
Eu preciso dessas momentos de reflexão para avaliar minha saúde mental, saber se no dia-a-dia estou conseguindo responder com atitudes à altura das minhas íntimas convicções.
Isso leva a outra questão, mais primordial: o que é viver de verdade?
De novo, não estou me referindo ao viver como aquela atitude heróica, hedonista, idealizado pelo mercado de consumo.
Falo do básico.
Do fazer aquilo que deve ser feito, pois todos nós temos um propósito de vida, ainda que não tenhamos descoberto ou que esse propósito sofra constante mutação.
Incluo aí os prazeres, o comer, o se divertir, o gozar.
Que fique claro: não faço apologia do sofrimento nem da tortura mental como pré-requisitos de uma vida plena.
Apenas considero que o conflito faz parte, que não precisamos apelar a anestésicos a fim de evitar o confronto com nós mesmos.
Talvez seja esse receio o que afasta as pessoas da literatura, e, mais especificamente, da alta literatura.
Primeiro porque a literatura requer silêncio, o afastamento das distrações histéricas produzidas pela tecnologia.
Segundo, a literatura nos faz vivenciar a miséria humana em sua plenitude.
Ela corta na carne dos personagens e por tabela, na do leitor.
Através da literatura, nos transferimos para épocas, mundos, condições de vida que são as nossas, mas que na verdade são também.
Essa identificação gera reflexão, sofrimento, anarquia interna.
Na vida já atribulada de afazeres que levamos, quem quer ainda mais sarna pra se coçar?
É mais fácil distrair sua mente com as rajadas de balas de um blockbuster.
Ou com o batidão do funk de música e letra insípidas.
É comum as pessoas fazerem confusão com o sentido da cultura.
A cultura não é produto de consumo, para ser exibida em público pelos cagadores de regra.
É por essa confusão que vemos gente fazendo cursos de degustação de vinho como quem compra um casaco de pele.
A meu ver, cultura tem o papel de aflorar nossa sensibilidade, trazer à tona aquela parte de você que até você desconhece, mas que é a sua melhor parte.
Por isso defendo que as pessoas gastem muitas horas de sua vida em contato com boas literatura, música, artes plásticas.
Se possível escrevendo, compondo, pintando.
Não tem problema se não sair nada que fique como legado.
Já tem livro, música e quadro geniais mais do que suficientes por aí.
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