quarta-feira, 1 de junho de 2016

A vocação mainstream

Às vezes a vida nos reserva muito mais do que precisamos.
Não se trata da máxima "Cuidado com o que desejas..."
Porque às vezes não desejamos e acontece assim mesmo.
Era o caso de uma banda de indie-rock, a Vintage.
Seus integrantes nunca buscaram o estrelato, queriam apenas fazer um tipo de rock que, quando muito, arregimenta um punhado de fãs e algumas garotas pra transar.
A base era de guitarra e bateria, somado a alguns instrumentos estranhos artesanalmente concebidos, de dar inveja a Hermeto Paschoal, mas que só os seus inventores conseguiam tocar.
Os primeiros ensaios na garagem e shows na faculdade não fugiram ao clichê de bandas adolescentes.
O Vintage aos poucos caía no gosto de um fiel público geek, que não fazia a menor questão de divulgá-lo a outras tribos.
E assim, promovido à boca pequena, a banda percorreu timidamente os primeiros anos de sua carreira.
Um ou outro show de vez em quando, em locais pitorescos como encontros de trekkers e feiras de tecnologia, era o que bastava para deixar os roqueiros satisfeitos com seu som.
Esse contentamento mantinha a trupe criativa e unida, e não era raro que eles passassem boa parte do tempo livre enfurnados em estúdio, mergulhados em experimentações sonoras sem fim.
Em 5 anos foram quase 7 álbuns lançados.
Uma composição mais instigante que a outra.
Toda essa fertilidade se devia a ausência de um esquema comercial, a pressionar cabecinhas com deadlines castradores indesejáveis.
Mas se a tentação do mercado não veio na forma de um empresário, chegou na figura de um cineasta.
Que escutou aquele som muito louco e imediatamente imaginou uma das canções do Vintage como abertura de seu documentário psicodélico-ecológico-católico-apostólico que estava prestes a sair do papel.
Pediu emprestado, tentou comprar, implorou pelos direitos de uso.
Mas a banda fincou pé, com medo do uso indevido de uma música com proposta tão pueril.
Tanto o cineasta fez que a banda acabou autorizando, depois de examinar o roteiro do documentário e concluir que só loucos de pedra se interessariam em vê-lo.
Sua previsão foi acertada, porque o documentário foi muito mal recebido, não conseguindo qualquer tipo de exibição, seja em salas de cinema, casas de cultura ou lugares afins.
O Vintage só não contava com o mau presságio de que o cineasta fosse sobrinho-neto de um importante figurão de uma emissora de TV aberta, que, a muito custo, conseguiu uma janela de exibibição numa fatídica madrugada de sábado para domingo.
Naquele fim de semana ocorreu uma nevasca na cidade, o que obrigou as pessoas a ficarem em casa e se entreter como pudessem.
Para quem tinha TV a cabo e videogame, ok.
Para quem não tinha, restou as emissoras abertas e o documentário sonolento.
Mas com uma música de abertura arrebatadora.
Uma sonoridade hipnotizante, que fez os espectadores reverem seus gostos musicais.
Nada de música chiclete.
Porque não grudava no ouvido, mas penetrava feito cotonete desfiado, amaciando as mais rígidas resistências musicais.
Foi um estouro e o começo do fim.
Uma ou duas faixas de trabalham começaram a ser executadas sem parar nas rádios, em cenas de novela, ringtones e comerciais de varejo.
O Vintage passou a ser absurdamente assediado, fazendo com que seus tímidos integrantes se fechassem em conchas.
Nada mais de shows, programas de entrevista, contratos com gravadoras.
A banda não fora concebida para tamanha exposição.
Por isso ruiu.
Seus integrantes não se entediam mais.
O tesão por criar sumiu.
Ainda que tentassem retomar a rotina, nada foi como antes.
E mesmo numa indústria que considera a releitura e a remixagem como bons produtos, se ancorar no passado era um avilte insuportável para garotinhos tão idealistas.
Então o Vintage se perpetuou como uma doce lembrança de um passado indie glorioso abortado por um indesejado sucesso de grande proporção.

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